As pesquisas com laser
Mil e uma utilidades para os raios mágicos
Nem todas as pessoas que chegaram nos anos 1970 trabalharam com laser, mas a maior parte delas, sim. Os primeiros lasers de porte profissional do Brasil foram construídos no IFGW: um laser de CO2 de corrente contínua longitudinal, feito por Dimitrios Bozinis, e um laser de CO2 pulsado TEA por Artemio Scalabrin.
É possível classificar as principais aplicações do laser em que Porto investiu logo de início em: estudo da estrutura e das características dos materiais (inclusive novos), Física Médica, separação de isótopos (para enriquecimento de urânio) e comunicações ópticas (por meio de fibras ópticas). Os primórdios das duas primeiras linhas estão descritas na dissertação de mestrado de Walker Lins Santana (2006) sobre Sérgio Porto e a história do laser no Brasil.
A investigação da estrutura e das características dos materiais é a principal aplicação do laser na pesquisa científica em Física. Observando-se as frequências absorvidas ou reemitidas quando o laser incide sobre um material, pode-se determinar sua composição química e diversas propriedades físicas. Vários pesquisadores trabalhavam com isso no IFGW, como Carlos Argüello, Carlos Rettori e Elion Vargas (os dois últimos fundaram, respectivamente, os atuais Grupo de Propriedades Ópticas e Magnéticas dos Sólidos, GPOMS, e Grupo de Fototérmica e Ressonância Magnética, GFRM). Esse tipo de estudo, na verdade, é um instrumento fundamental em inúmeras linhas de pesquisa e, nas décadas seguintes, diversos grupos experimentais do IFGW passaram a usá-lo, notadamente no projeto de novos materiais com propriedades interessantes (semicondutores, supercondutores, materiais com propriedades magnéticas e ópticas singulares etc.).
Dessa classe faz parte o assunto que tornara Sérgio Porto famoso em 1961, o espalhamento Raman por laser, que foi iniciado na Unicamp pelos três físicos citados acima. Rettori e Vargas trabalhavam também com a ressonância magnética (uma área que não tem a ver com o laser). Nos primeiros anos, foram feitas inclusive parcerias com outros Institutos da Unicamp, como o de Química, na área de espectroscopia, fotoquímica e outras aplicações do laser; e com o de Biologia, o Projeto de Seleção de Sementes Oleaginosas, para selecionar sementes a partir da avaliação de seu teor de óleo por meio da ressonância magnética (da qual participou também o físico Gaston Barberis).
Sérgio Porto
em experimentos com lasers no IFGW,
nos anos 1970.
Fonte: Acervo Histórico do Arquivo Central/Siarq.
Nas décadas seguintes, os estudos se diversificaram e atualmente os grupos de pesquisa herdeiros dessa linha trabalham também com fotoacústica, fototérmica, efeito magnetocalórico e absorção e emissão de raios-X. Boa parte das pesquisas atuais nesses grupos é voltada à produção e caracterização de novos materiais ou de material biológico. Outros grupos atuais herdeiros dessas linhas, além dos citados acima, são o Grupo de Propriedades Ópticas (GPO) e o Laboratório de Óptica (LO).
Com relação à Física Médica, uma equipe formada pelos físicos unicampestres Dimitrios Bozini e Fernando Penna e pelo médico-cirurgião João Alberto Holanda de Freitas realizou, em 13 de dezembro de 1975, a primeira cirurgia oftalmológica a laser do país, no Instituto Penido Burnier, em Campinas – cauterização e coagulação de sangue em artérias danificadas da retina. A equipe de Porto passou a ofertar tratamentos a instituições brasileiras e estrangeiras interessadas. Cirurgias de tímpanos também foram feitas (com o auxílio de fibras ópticas desenvolvidas no próprio Instituto), e também trabalhos relacionados ao combate ao câncer na mama e no colo de útero, estes em parceria com o médico José Aristodemo Pinotti (1934-2009), que posteriormente foi reitor da Unicamp.
Equipe multidisciplinar para o controle do câncer de mama. Sentados, Sérgio Pereira da Silva Porto, José Aristodemo Pinotti e Regina de Castro Pisani. Em pé, Henrique Brenelli, Luis Carlos Teixeira, Maurício Knobel, Sônia Borges e Regina Sarmento, 1978. Foto: Vic Parisi.
Fonte: Unicamp 35 anos: Ciência e tecnologia na imprensa.
O laser também foi aplicado no IFGW à Física Nuclear. Mesmo que Damy não tenha iniciado a parte de Física Nuclear na Unicamp, essa área era uma tradição do país e interesse estratégico do governo desde a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Assim, pesquisas ligadas a esse tema apareceriam dentro do Instituto em diversos grupos - incluindo os dedicados ao laser. Por volta de 1973, começaram pesquisas sobre enriquecimento de urânio a laser. Havia um grupo teórico, que possuía cientistas brasileiros e estrangeiros (como William Harter, Christopher Patterson e, pouco depois, György Czanak) e um grupo experimental, formado por, entre outros, por Artêmio Scalabrin, Elza Vasconcelos, Alberto Lima e Carlos Alberto Ferrari.
Em 1978, parte dos estudos experimentais foram transferidos para o Centro de Lasers e Aplicações do IPEN. Os pesquisadores dessa área que permaneceram na Unicamp passaram a aperfeiçoar os lasers propriamente ditos, mais voltados para a pesquisa básica (os lasers para a pesquisa aplicada seriam feitos no Departamento de Física Aplicada, como mostrado na seção seguinte). Esta é a origem do atual Grupo de Lasers e Aplicações (GLA). O grupo teórico, por sua vez, desviou suas atividades para a pesquisa básica sobre Física Atômica e Molecular, inicialmente na espectroscopia. Depois que Harter e Patterson voltaram a seus países, em 1976, a pesquisa voltou-se para as colisões entre elétrons ou pósitrons e átomos ou moléculas, sem conexão com a Física Nuclear, originando o atual Grupo de Física Atômica e Molecular (GFAM).