O Grupo de Física Atômica e Molecular atualmente faz pesquisas teóricas sobre colisões entre moléculas e elétrons ou pósitrons (antimatéria do elétron) por meio de simulações em computador.

Como fazer para investigar átomos e moléculas, se é tão difícil vê-los ao microscópio? Uma idéia é justamente fazê-los colidirem entre si ou com partículas menores, como elétrons e fótons, e analisando o que acontece.

GFAM

Desde a famosa experiência de 1911, com a qual o físico neozelandês Ernest Rutherford descobriu o núcleo do átomo fazendo partículas de radiação alfa (um dos três tipos principais de radiação, além da beta e da gama) chocarem-se com uma fina folha de ouro (vide figura abaixo), as colisões são um dos principais instrumentos para a compreensão dos fenômenos envolvendo átomos e moléculas. Essas colisões são ditas “de baixa energia”, para diferenciar das pesquisas sobre as partículas mais elementares da matéria, feitas nos grandes aceleradores de partículas, ditas de “alta energia”.

Esquema do experimento de Rutherford

Esquema do experimento de Rutherford.
Fonte: Wikipedia.

Além disso, as colisões ocorrem em muitos fenômenos físicos importantes e o estudo dessas colisões é um instrumento importante para se compreender esses fenômenos – que variam desde reações químicas até correntes elétricas passando através de lâmpadas fluorescentes e os plasmas usados nas pesquisas sobre fusão nuclear.

Estudando a teoria das colisões

Ora, para usar as colisões para compreender tais fenômenos, é preciso (1) fazer experiências, e (2) compreender teoricamente o fenômeno da colisão, para que se possa interpretar as experiências corretamente. O Grupo de Física Atômica e Molecular do IFGW tem como principal objeto de estudo este segundo caso, a teoria dessas colisões. Para isso, são feitas simulações em computadores – verdadeiros “experimentos” teóricos, nos quais programas computacionais desenvolvidos pelos membros do grupo simulam o que acontece quando elétrons ou pósitrons colidem com moléculas.

Esses programas demandam grande esforço computacional em termos de tempo e de memória. São usados os computadores do próprio Instituto de Física da Unicamp e do Centro Nacional de Processamento de Alto Desempenho (Cenapad) de Campinas. Para fazer novos programas e aperfeiçoar os já existentes, é preciso compreender bem a teoria das colisões e de outros fenômenos característicos de átomos e moléculas, com base na mecânica quântica. Pode-se dizer que as simulações computacionais consistem numa terceira grande vertente da física, ao lado da teórica e da experimental, nascida com o advento dos grandes computadores.

Grandes desafios: as moléculas grandes e as de camada aberta

Ultimamente, com o envolvimento de alguns pesquisadores com o Centro de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE), o grupo vem também investigando moléculas orgânicas envolvidas na produção do bioetanol a partir da cana-de-açúcar, como o próprio etanol e a celulose. A idéia é entender melhor o processo de produção para tornar a indústria brasileira de bioetanol o mais eficiente possível.

Na verdade, à medida que os programas de computador vão sendo aperfeiçoados e as máquinas vão ficando mais potentes, o grupo tem estudado colisões envolvendo moléculas cada vez maiores. Nos últimos anos, tem se dedicado a pequenas moléculas orgânicas, como formaldeído, ácido acético e diversos tipos de álcool.

furano

Furano

desoxirribose

Desoxirribose

Comparação entre o furano e a desoxirribose: ambos possuem um anel de 5 átomos, sendo 4 de carbono (os vértices do pentágono) e um de oxigênio.
Fonte: Wikipedia.

Abordar moléculas cada vez maiores é um dos grandes desafios para o futuro. Será possível estudar moléculas tão grandes como o DNA, que tem milhares de átomos? O grupo vem tentando investigar como fragmentos dessa imensa molécula se comportam nas colisões, às vezes por meio do estudo de moléculas parecidas com esses fragmentos – como o furano, cuja estrutura tem um anel semelhante ao da desoxirribose, um dos constituintes do DNA (veja a figura ao lado).

Além do tamanho, outro grande desafio são as moléculas ditas “de camada aberta”. Nas moléculas estáveis, os elétrons se distribuem em camadas totalmente preenchidas. As moléculas com camadas incompletas, ou “abertas”, são tão instáveis que quase não se consegue fazer experimentos com elas, porque corróem os equipamentos. Nesses casos, o estudo teórico torna-se muito importante. Mas os programas computacionais também são muito complexos nessas situações. No entanto, o grupo tem também feito avanços nessa área.

O que acontece numa colisão entre elétrons e moléculas?

Trata-se de um fenômeno bastante rico em possibilidades. Tomemos como exemplo a colisão entre um “feixe” (um “jato”) de moléculas de gás carbônico (CO2) e um feixe de elétrons. Os elétrons são espalhados para todos os lados, enquanto as moléculas de CO2 praticamente não alteram sua trajetória, por serem muito mais pesadas. Por isso, esta área de pesquisas é também chamada de “espalhamento”. Em geral, coloca-se detectores ao redor para analisar o que acontece com os elétrons e as moléculas.

Uma possibilidade interessante: se os elétrons tiverem energia suficiente, as moléculas podem ser excitadas, ou seja, armazenar em si mesmas parte da energia do elétron incidente. A excitação pode ser “eletrônica”, ou seja, a energia é armazenada nos seus elétrons; “vibracional” (quando a energia é armazenada na vibração de seus átomos constituintes); ou ainda “rotacional” (quando ela se armazena na rotação da molécula como um todo).

Pode acontecer ainda de a energia do elétron incidente ser muito próxima de uma das energias “permitidas” para elétrons ligados à molécula; o elétron incidente, então, fica temporariamente preso no átomo e o seu espalhamento posterior é muito mais acentuado – é o que se chama “ressonância”. Pode ser também que o elétron incidente e um dos elétrons do átomo troquem seus spins – é o fenômeno de “exchange”.

Finalmente, se os elétrons tiverem energia suficiente, a molécula pode se quebrar de diferentes formas: CO + O; C + O2; C + O + O.

Cada uma dessas possibilidades é chamada, no jargão técnico, um “canal”. Essas possibilidades revelam informações sobre a estrutura dos átomos e moléculas e o modo como interagem com a matéria ao seu redor.

História do Grupo

O Grupo de Física Atômica e Molecular foi uma das equipes articuladas por Sérgio Porto para constituir o Departamento de Eletrônica Quântica da Unicamp, em 1974. Sérgio Porto queria aproveitar o campo novo da época, as comunicações ópticas. O próprio governo brasileiro estava interessado em desenvolvê-la, pois considerava as telecomunicações uma área estratégica prioritária, e deu financiamento para a formação de alguns grupos de pesquisa ligados a esse assunto na Unicamp.

Para construir um sistema de comunicações ópticas, é preciso pelo menos dois elementos principais: a fibra óptica e o laser. O laser é a fonte da luz que carrega as informações pela fibra – assim como é a corrente elétrica que carrega informações no caso da telefonia comum (por fio de cobre). Os lasers foram inicialmente construídos no Departamento de Física Aplicada do IFGW e no CPqD (este formado pela Telebrás); e as fibras ópticas, no Departamento de Eletrônica Quântica (DEQ). Mais tarde, outros grupos passaram também a produzir laser no IFGW.

Sérgio Porto articulou também a formação de grupos que usariam os lasers construídos no Instituto para outras pesquisas de linha de frente que os utilizavam. Assim, no seu início, o Grupo de Física Atômica e Molecular tinha uma vertente experimental e uma teórica.

A experimental usou os lasers para estudar a separação de isótopos (fotoquímica) e a espectroscopia. Os isótopos são “tipos” do mesmo átomo, diferentes apenas pelo número de nêutrons no seu núcleo. São quimicamente indistinguíveis entre si, de modo que, para separá-los, são necessários métodos físicos. Era uma área estratégica para o governo, pois o enriquecimento do urânio para as usinas nucleares é feita por separação de isótopos (ainda que, neste caso, usa-se outro método, com ultracentrífugas).

Já a espectroscopia investiga o “espectro” de átomos e moléculas – ou seja, as energias permitidas para seus elétrons e seus diversos estados energéticos eletrônicos, vibracionais e rotacionais. Além de ser importante para o estudo da estrutura dos átomos e moléculas, estas energias são características de cada molécula e o seu conjunto forma uma espécie de “assinatura” da mesma.

A vertente teórica do grupo, por sua vez, estudaria os fenômenos envolvidos na espectroscopia e na separação de isótopos. Sérgio Porto convidou alguns pesquisadores de fora do Brasil para a primeira formação do grupo, como William Harter e Christopher Patterson.

Mudanças de rumo

Pouco depois, as pesquisas desviaram-se totalmente para a parte teórica e concentraram-se nas colisões. Mais tarde, a ênfase deslocou-se das colisões envolvendo átomos para as envolvendo moléculas.

Com o aparecimento no Brasil de computadores mais potentes, nos anos 1980, tornou-se possível adaptar métodos teóricos mais precisos para os estudos do grupo. Esses métodos – como o Método Multicanal de Schwinger e o de pseudopotenciais, adaptados por Marco Aurélio Pinheiro Lima, e o de canais acoplados, adaptado por Fernando Jorge da Paixão Filho – foram usados para desenvolver os programas de simulação computacional usados atualmente pelos membros. A partir de meados dos anos 2000, o grupo passou a investigar pequenas moléculas orgânicas, inclusive as envolvidas na produção de bioetanol a partir da cana-de-açúcar.