Grupo de Óptica Quântica (GOQ)
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As pesquisas do Grupo de Ótica Quântica contemplam simultaneamente os fundamentos da mecânica quântica e aplicações tecnológicas nascentes relacionadas com eles, como a criptografia quântica, o teletransporte quântico e a computação quântica. Na maior parte das vezes, são estudos teóricos; mas o grupo tem também feito incursões nas investigações experimentais.
Conceitos: Mecânica quântica, emaranhamento e superposição
A mecânica quântica foi criada no primeiro quarto do século XX para substituir a física da época, que não podia dar conta de diversos fenômenos que envolviam a luz, átomos e moléculas. O resultado alterou não só nossa compreensão sobre os fundamentos da física, mas também nossas noções básicas sobre o universo microscópico.
Orbitais do elétron do átomo de hidrogênio para várias energias. Os orbitais indicam a probabilidade de se encontrar um elétron em cada ponto (quanto mais clara a região, maior a probabilidade): a mecânica quântica só indica probabilidades, não posições exatas. As energias crescem de cima para baixo e da esquerda para a direita.
Fonte: Wikipedia.
Na teoria quântica, parece haver um indeterminismo intrínseco na natureza (ainda que os resultados probabilísticos dessa teoria sejam mais próximos das medidas experimentais que os da física clássica). Além disso, estados físicos distintos – um estado físico é uma “situação” em que um objeto pode se encontrar, como sua posição, sua temperatura etc. – podem ser de algum modo superpostos, combinados, para formar um terceiro estado distinto. A teoria mostrou também que a noção de superposição de estados pode ser estendida a pares de corpos, de forma que tudo se passa como se não fosse possível associar um estado físico a cada um deles individualmente, mas apenas ao par como um todo – e só fosse possível alterar o estado do par inteiro, não de cada objeto separadamente (é o “emaranhamento”).
Para as pessoas em geral, essas características anti-intuitivas permaneceram apenas abstrações curiosas e fascinantes até que, nos anos 80, começou-se a desenvolver as bases teóricas de tecnologias que dependem crucialmente delas. Hoje, fala-se em computadores quânticos, criptografia quântica, teletransporte quântico etc. Em geral, essas tecnologias (a maior parte ainda em estágio muito inicial) dependem de dois fenômenos quânticos fundamentais, relacionados intimamente com as características anti-intuivas descritas acima: a superposição quântica e o emaranhamento quântico (este último pode ser considerado um tipo de superposição envolvendo dois ou mais sistemas físicos).
A superposição – Vejamos um exemplo. O seu computador, neste momento, está no estado físico “ligado”. O plástico de sua carcaça está no estado físico “de cor preta” (digamos que ele seja preto). É claro que ele não pode estar ligado e desligado ao mesmo tempo, nem a mesma parte de sua carcaça ser branca e preta simultaneamente. Da mesma forma, uma partícula subatômica também não pode estar em dois estados simultaneamente. Por outro lado, pode estar numa combinação, ou superposição deles, que produz um terceiro estado, diferente. Meu computador poderia, se fosse um elétron ou um átomo, estar num estado “ligado + desligado”. Não se trata de estar ao mesmo tempo ligado e desligado: é um terceiro estado, distinto dos outros dois, mas “formado” por ambos.
O emaranhamento – Se o conceito de superposição for estendido a dois sistemas, por exemplo, de dois elétrons, podemos formar superposições de estados correspondentes aos dois elétrons. Para ilustrar, suponha que dois computadores, A e B (um preto e outro branco) pudessem ser colocados em um estado emaranhado – ou uma superposição da situação (estado) A preto/B branco com B preto/A branco, ou seja, não é possível associar completamente um estado físico a cada “partícula” (no caso computador) individual; apenas ao conjunto todo corresponde um estado perfeitamente identificável. Uma alteração qualquer em um estado assim atinge as duas partículas simultaneamente – mesmo que estejam separadas por grandes distâncias.
Contrário às aparências – uma modificação no estado emaranhado por si só não consegue transmitir informações instantaneamente pelo espaço.
É difícil imaginar a superposição quântica porque tendemos a imaginar as "partículas" subatômicas como objetos materiais no sentido tradicional do termo, como se fossem minúsculas bolinhas de bilhar coloridas voando pelo espaço ou ao redor de átomos. De fato a teoria não permite acessar esse nível de detalhe. Mecânica Quântica é uma teoria que leva a um tipo de descrição probabilística ondulatória das partículas e sabemos que duas ondas podem superpor-se – vemos nas ondas numa piscina, em ondas do mar que se “acavalam”. No caso das “partículas quânticas”, essa capacidade das ondas de se superpor se manifesta como a possibilidade de se combinar estados físicos distintos.
Como um mesmo objeto pode se manifestar de duas formas diferentes sem ser nenhuma delas? O site do Wikipedia teve uma idéia muito interessante para explicar isso, com a figura acima, de autoria de Jean-Christophe Benoist. Nela, um cilindro produz uma sombra quadrada em uma parede e circular na outra. Se vemos só a sombra - e se identificarmos erroneamente a sombra com o objeto em si -, parecerá uma contradição: como algo pode ser redondo e quadrado ao mesmo tempo?! Mas ele não é um círculo e nem um quadrado: ele é uma outra entidade (um cilindro), que não estávamos vendo diretamente - mas que se manifesta como um quadrado ou como um círculo, dependendo da situação. Mas cuidado: isto é apenas uma analogia. Tanto as ondas como as partículas e as entidades “nem-ondas-nem-partículas” estão no espaço tridimensional comum. A correspondência é que, em física, podemos apenas medir as propriedades das “coisas”, não temos acesso às “coisas” em si. Claro que ninguém nunca viu um computador em tal situação. Ocorre que essa combinação é tanto mais instável quanto maior for a massa do objeto em questão. Pequeníssimas perturbações podem transformá-lo rapidamente em um dos dois estados superpostos, desmanchando a combinação. Tanto que a primeira superposição quântica de estados de posição no espaço de um átomo inteiro só foi obtida em 1996. Algo do tamanho de um computador “colapsaria” quase imediatamente para um dos estados, ligado ou desligado, muito antes de poder ser observado. Essa rápida evolução da superposição de estados para um dos estados individuais, por efeito de perturbações mínimas do ambiente ao redor, constitui-se na chamada “perda de coerência”.
Agora, vejamos o que se pode fazer com tudo isso!
Criptografia quântica – Trata-se na realidade de um tipo de distribuição quântica de chaves secretas, que podem ser usadas para se codificar e decodificar mensagens. Sua maior diferença com a criptografia usual é que é possível saber se a comunicação para formar a chave está sendo interceptada, e com isso anular a ação do espião. Isso se relaciona com o colapso dos estados físicos superpostos e emaranhados descrito anteriormente – no caso, a perturbação que causa o colapso é a ação do interceptador.
Repare-se que na criptografia quântica, são geradas chaves secretas idênticas – uma sequencia aleatória de 0s e 1s, que ficam em poder dos interlocutores - Alice e Bob. As chaves ficarão à disposição para a codificação da mensagem a ser enviada (por Alice, por exemplo) e decodificação da mensagem recebida (por Bob). Isso é feito através da transmissão de sinais – estados quânticos da luz de Alice para Bob. Apesar dos problemas como sensibilidade às pequenas perdas de informação causadas pelos métodos de transmissão reais – em geral, fibras óticas, a distribuição quânticas de chaves vem sendo feitas com sucesso a distâncias cada vez maiores. O primeiro protocolo de distribuição quântica de chaves (BB84) foi concebido em 1984 e a primeira demonstração em laboratório em 1989.
Teletransporte quântico – É uma técnica para se transferir informação de um lugar para o outro. Ou seja, o teletransporte quântico não transmite matéria, apenas informação. Além disso, ela não pode ser transmitida a velocidades maiores que a da luz. No entanto, ele pode transmitir toda a informação sobre estados físicos em uma superposição quântica, o que não se sabia bem como fazer sem destruir a superposição até 1993. O teletransporte também usa o emaranhamento quântico – é na ocasião do seu colapso que parte da informação é transmitida de um local a outro (aproveitando o fato de o colapso acontecer no estado do par como um todo, independentemente da distância que separam os interlocutores). Mas só parte da informação: ela fica ininteligível sem o restante, que deve ser transmitido por vias normais (por isso, não é possível velocidades infinitas na transmissão dos dados). O teletransporte quântico foi proposto em 1993 e foi demonstrado experimentalmente pela primeira vez em 1997.
Computação quântica – Para algumas aplicações, um computador quântico permitiria fazer cálculos milhões de vezes mais rápidos que um computador comum. Para outras, porém, não haveria grande diferença. Entre os casos em que ele é muito mais rápido, está a decodificação de mensagens criptografadas pelo método mais usado atualmente na Internet (multiplicação de números primos). Ou seja, tais computadores poderiam quebrar grande parte codificações atuais. Outros casos são a busca de dados num arquivo desordenado e simulações computacionais de sistemas quânticos complexos.
Nos computadores quânticos, a unidade de informação não é o bit, como na computação normal, mas o qubit (lê-se “quiu-bit”). A diferença é que um bit pode ter apenas dois valores – representados por, digamos, 0 e 1 –, enquanto um qubit pode assumir o valor 0, 1 ou qualquer das infinitas superposições quânticas desses dois estados. Além disso, vários qubits podem ser emaranhados entre si. Lembremos que as alterações de um estado emaranhado atingem todos os qubits simultaneamente. As duas coisas juntas – as infinitas superposições com 0 e 1 e o emaranhamento – podem ser usadas em alguns casos para aumentar dramaticamente a velocidade de processamentos. O qubit pode ser implementado fisicamente de diversas formas. Pode-se implementar qubits com estados energéticos de átomos. Átomo com energia mais baixa é o “0”; átomo com energia mais alta é o “1”. Eles podem ser emaranhados de diversas formas, como os fazendo passarem juntos através de campos eletromagnéticos adequadamente dispostos. Outro exemplo: o spin de uma partícula, como o elétron. O spin é uma característica de partículas do micro-mundo que não tem correspondente no mundo macroscópico, mas que se assemelha muito a uma rotação comum. Spin “girando” para um lado representa o “0”; para o outro, representa o “1”.
Luta contra a perda de coerência – Talvez os maiores desafios para as pesquisas científicas nessa área estejam nos computadores quânticos. Nesse caso (e na criptografia e no teletransporte quânticos), um dos principais problemas é a extrema instabilidade dos estados superpostos e emaranhados. Eles podem “colapsar” para estados separáveis devido à mínimas perturbações no meio ambiente – é o processo da perda de coerência. É preciso, portanto que os computadores quânticos realizem suas operações programadas antes de perder coerência, ou então ele sofrerá a chamada “morte súbita” (para de funcionar no meio do processamento). Além disso, quanto maior o número de sistemas físicos emaranhados, em geral mais instável é o emaranhamento. Somente em 1996 foi conseguido em laboratório obter estados emaranhados com dois átomos. Hoje, já se consegue fazê-lo com alguns trilhões de átomos, mas a duração desse emaranhamento e o sistema em que ele foi implementado ainda não são adequados à computação quântica. Para se resolver isso, é necessário não só montar um computador suficientemente rápido, mas também imaginar modos de retardar a perda de coerência o máximo possível. Para tanto, precisa-se conhecer todas as perturbações possíveis que possam acontecer no sistema físico e sua influencia na perda de coerência.
Átomos em cavidades – Além disso, deve ser levado em conta que, dependendo da forma física como se produz o emaranhamento e de como se implementa o qubit – com elétrons, com fótons de luz, ou com átomos – o resultado pode ser menos ou mais resistente à perda de coerência. O Grupo investiga, em particular, qubits implementados em átomos, que são emaranhados por meio de campos eletromagnéticos confinados em cavidades altamente refletivas (“cavity QED”). O estado energético do átomo é que conterá a informação “0” ou “1”.
Um sistema bastante interessante que vem sendo estudado no grupo é o chamado oscilador optomecânico – diminutas lâminas vem tendo o seu movimento controlado de forma que se tornam “objetos quânticos” – sujeitas às leis da mecânica quântica, e portanto com possibilidade de formarem superposições quânticas e estados emaranhados. Isso com objetos contendo muitos átomos, praticamente macroscópicos.
(Figura 1) - Esquema de uma armadilha para átomosque usa campos eletromagnéticos para manter presos íons (átomos sem alguns elétrons e, portanto, carregados eletricamente e que, portanto, podem ser "presos" por campos elétricos e magnéticos)
(Figura 2)
(Figura 3)
Na Figura 2 e 3: Esquema de duas cavidades ópticas através das quais um átomo passa.
Fontes: J.M. Raimond, T. Meunier, P. Bertet, S. Gleyzes, P. Maioli, A. Auffeves, G. Nogues, M. Brune and S. Haroche, Probing a quantum field in a photon box, J. Phys. B: At. Mol. Opt. Phys. 38, S535 (2005); Tese de mestrado de Fernando Luís Semião da Silva, IFGW/Unicamp (2002), pág. 10. Tese de doutorado de Fabiano Kenji Nohama, IFGW/Unicamp (2008), pág. 41. Tese de mestrado de Ricardo José Missori, IFGW/Unicamp (2003), pág. 46.
Os átomos podem ser emaranhados após passarem por cavidades QED dispostas de modo adequado, como na figura abaixo. Diversas possibilidades vêm sendo estudadas, incluindo cavidades conectadas por fibras óticas, já que deverá haver alguma comunicação entre qubits em diferentes locais do circuito de um computador quântico.
Esquema de um aparato para emaranhar estados energéticos de dois átomos. À esquerda e à direita, estão representadas duas cavidades QED. Dentro de cada uma delas, está preso um átomo, representado em azul. A interação entre os átomos e os campos magnéticos dentro das cavidades produz dois fótons em cada uma, que seguem a trajetória tracejada até os detetores de fótons D1 e D2. No meio desse trajeto há um espelho semitransparente (BS) que emaranha os dois fótons. Esse espelho e os detetores são capazes de deixar, em certas circunstâncias, os dois átomos e os dois campos dentro das cavidades em estados emaranhados. Repare-se que as duas cavidades estão separadas; o emaranhamento pode ser obtido mesmo quando os átomos estão afastados.
Fonte: Tese de mestrado de Bruno Ferreira de Camargo Yabu-uti, IFGW/Unicamp (2007), pág. 36.
A velocidade da perda de coerência depende também de que tipo de emaranhamento é feito. O Grupo de Ótica Quântica, por exemplo, propôs, em 2007, um novo tipo de estado emaranhado, chamado “estado coerente emaranhado do tipo cluster” (CTECS, na sigla em inglês), cuja vantagem é justamente uma maior robustez contra a influência do ambiente. Os CTECS se enquadram na categoria de estados emaranhados com variáveis contínuas, em contraposição aos estados com variáveis discretas. A diferença é que os estados com variáveis discretas usam sistemas que podem ter apenas certas energias específicas (a energia é quantizada), enquanto os com variáveis contínuas usam sistemas que podem estar numa faixa de energia, com todos os valores dentro dela. Por exemplo, o laser é uma fonte de luz de variáveis contínuas de fácil implementação e manipulação. Também se investiga como transferir dados de estados emaranhados com variáveis discretas para os com variáveis contínuas e vice-versa, assim como protocolos de criptografia quântica utilizando variáveis contínuas.
Aparato experimental proposto pelo Grupo para se fazer o estado emaranhado CTECS em estados físicos energéticos de átomos. O esquema usa cavidades QED colocadas estrategicamente de modo que os dois átomos, quando passam pela última cavidade, saem emaranhados.
Fonte: Tese de doutorado de Pablo Parmezani Munhoz, IFGW/Unicamp (2008), pág. 40.
Conjunto de estados comprimidos da luz para serem utilizados em um protocolo alternativo de distribuição quântica de chave. Dois estados distintos são utilizados para codificar os bits 0 e 1 enquanto um terceiro estado “isca” é usado para confundir um possível espião.
Fonte: Tese de mestrado de Douglas Delgado de Souza, IFGW/Unicamp (2011), pág. 100.
É importante enfatizar que, com todos esses estudos, o Grupo investiga não só as possibilidades práticas de se implementar as novas tecnologias quânticas, como também os fundamentos da mecânica quântica, o melhor entendimento da extraordinária natureza dos estados quânticos e de sua relação com o macro-mundo.
O Grupo começou com as pesquisas de José Antonio Roversi enquanto ele ainda estava no Grupo de Transições de Fase, no IFGW, liderado pelo prof. Paulo Roberto de Paula e Silva. Com a chegada de Antonio Vidiella Barranco, o grupo de Óptica Quântica foi formalmente constituído. No início, estudava-se a geração de estados quânticos (emaranhados ou não) do ponto de vista teórico. Mais tarde, começaram a trabalhar também com criptografia quântica, assim como na investigação da implementação física desses estados emaranhados, principalmente em átomos em cavidades óticas, íons aprisionados em armadilhas eletromagnéticas, e sistemas optomecânicos.
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