O fator César Lattes
César Lattes muda-se para Campinas - A primeira área a iniciar as pesquisas foi a de raios cósmicos. Era um ramo da física das partículas que poderia ser estudada com pouco dinheiro e que permitia, apesar disso, explorar fenômenos com energias muito maiores do que com os caros aceleradores de partículas dos laboratórios (a vantagem dos aceleradores, porém, é que neles os experimentos são muito mais controláveis).
Damy chamou ninguém menos que seu antigo aluno, César Lattes, então já um físico conhecidíssimo por ter descoberto o méson pi. Segundo Eustáquio Gomes, no livro O Mandarim, Lattes havia recebido, na USP, uma cadeira catedrática feita só para ele, a de Física Superior; porém, alguns anos depois, por exigências de um dos acordos entre o MEC e a Usaid, foi preciso fazer eleições para a cátedra e Lattes perdeu-as para Jayme Tiomno. Perder uma cátedra não era uma derrota fácil de se assimilar, pois era uma instituição de bastante prestígio e, após a primeira recondução ao cargo, o catedrático poderia ficar nele vitaliciamente. Aborrecido, Lattes aceitou ou convite de Damy e transferiu para a Unicamp não só todo o seu grupo de pesquisa, como também a colaboração entre Brasil e Japão na área dos raios cósmicos, que vinha desde 1962. As pessoas que Lattes trouxe da USP incluíam Armando Turtelli Júnior, Áurea Rosas Vasconcellos, Cláudio Santos, Edison Shibuya, Margarita Ballester e Marta Mantovani.
O prestígio de Lattes somou-se ao de Damy e ao de Zeferino e foi um fator importante para atrair outros físicos competentes e experientes para o Instituto de Física da Unicamp.
César Lattes nos anos 1980
Foto de Antoninho Perri
As pesquisas de Lattes antes da Unicamp - Pois Lattes também tinha um currículo e tanto. Como as suas pesquisas na Unicamp são uma continuação do que havia feito até então, vale a pena olhar sua trajetória com mais detalhe. A sua observação do méson pi, em 1947, com Giuseppe Occhialini (1907-1993) – e usando um aperfeiçoamento nos detectores feito por Cecil Powell (1903-1969), chefe da equipe, em Londres – confirmou uma previsão teórica de 1935 do japonês Hideki Yukawa (1907-1981). Este havia formulado uma teoria quântica para as forças nucleares, que só seria consistente se existisse uma partícula nunca antes observada, hoje conhecida como "méson pi" ou "píon". Com a observação desse méson por Lattes num observatório nos Pirineus franceses, estava confirmada a previsão de Yukawa. O resultado foi que, dois anos depois, este tornava-se o primeiro japonês a ganhar um prêmio Nobel e, no ano seguinte, Cecil Powell ganhava o seu, por causa do aperfeiçoamento nos detectores (que abriu portas para a descoberta de várias outras partículas).
César Lattes e um colega preparam equipamento para deteção de raios cósmicos em Chacaltaya
O próximo passo lógico seria produzir as partículas artificialmente em um laboratório na Terra. Lattes intuiu que isso já deveria estar acontecendo, sem ninguém perceber, num acelerador em Brookhaven, nos EUA. Foi para lá e confirmou essa suposição. Pouco depois, construiu um observatório no alto do monte Chacaltaya, nos Andes bolivianos, a 5220 metros de altitude. Observatórios altos facilitam a observação de raios cósmicos porque estes sofrem menos interferência da atmosfera antes de atingir os detectores. Os japoneses se interessaram – o pico era mais alto que os que usavam no Japão – e passaram a colaborar com o Brasil na análise dos dados coletados na Bolívia.
Voltando ao Brasil, criou, junto com José Leite Lopes (1918-2006) e Jayme Tiomno, o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) no Rio de Janeiro, atualmente um centro de excelência. Posteriormente, montou um grupo de pesquisa sobre raios cósmicos na USP. Em 1961, esse grupo observou pela primeira vez um fenômeno extremamente energético relacionado com a interação entre raios cósmicos e a matéria predito teoricamente por Wataghin em 1941, as "bolas de fogo". Outras observações semelhantes, ainda mais energéticas, seguiram-se - inclusive, mais tarde, no Instituto de Física da Unicamp. Alguns deles são fenômenos ainda não inteiramente explicados e ainda não observados em laboratórios na Terra, pois os aceleradores de partículas ainda não possuem energia para isso.