Os primeiros professores do IFGW e o caso Rio Claro
Eis então que no fim de janeiro de 1967 já se tinha o espaço necessário pelo menos para as auas teóricas do Instituto de Física (as de laboratório tiveram que esperar alguns meses). Porém, para as aulas acontecerem, eram precisos professores!
A incorporação da FAFI de Rio Claro - A solução veio já no fim de janeiro. No último dia, entrava em vigor a lei que incorporava à Universidade de Campinas a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Rio Claro, juntamente com a Faculdade de Farmácia e Odontologia de Piracicaba. Acontece que Rio Claro era um dos poucos lugares do país que tinham cursos de graduação em Física na época, tendo sido instalado lá em 1963. Na época, a maioria dos físicos brasileiros saía de cursos de Química ou de Engenharia.
No início, a nova situação pareça satisfazer as necessidades rioclarenses. Desde meados dos anos 1960, sua faculdade vinha sofrendo problemas financeiros, com consequente falta de docentes e de equipamentos. Os cursos de Física e de Matemática eram os que mais sofriam. A falta de instrumentos de laboratório era parcialmente suprida por convênios entre a faculdade de Rio Claro e de Araraquara e a Escola de Engenharia de São Carlos; equipamentos da USP também eram usados. Várias defesas de teses em Rio Claro tinham suas pesquisas feitas inteiramente em São Carlos ou na USP.
Prédio da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Rio Claro
Fonte: Unesp
Os problemas não se resumiam a falta de professores e de verbas. Havia também problemas na procura da faculdade pelos estudantes e no baixo índice de aprovação nos vestibulares. No vestibular do início de 1967, foram preenchidas pouco mais do que um quarto das vagas disponíveis. O curso de Física era o que tinha menor procura: apenas 22 inscritos nos exames, para 40 vagas - e foram aprovados apenas três (no entanto, havia a possibilidade de as vagas remanescentes serem preenchidas por excedentes de outras instituições, notadamente a USP – em Campinas, não sobraram excedentes).
A incorporação à Unicamp, portanto, parecia inicialmente um excelente negócio para os dois lados. Ainda assim, Rio Claro era apenas uma parte da solução. A marca de Zeferino na formação do pessoal docente de todas as unidades da universidade era a atração de pesquisadores de gabarito, alguns bastante famosos, inclusive estrangeiros. Para isso contribuíram o renome do reitor, o seu carisma proverbial e o próprio conceito do novo campus. Esses cientistas muitas vezes vinham de instituições bastante conceituadas. Logo na mesma época em que vieram os professores rioclarenses, chegaram também três do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA): Germano Braga Rego, João Martins e Raul Cavalheiro.
Marcelo Damy entra em cena - Mas, em 9 de fevereiro de 1967, Zeferino contratou um "peixe" realmente "graúdo", um expoente da ciência brasileira, e o colocou como coordenador do Instituto de Física: Marcelo Damy de Souza Santos. Sua tarefa era organizar o instituto virtualmente inexistente.
Naquele momento, Damy já era dono de um currículo invejável. Havia sido responsável pelo desenvolvimento do primeiro reator nuclear brasileiro e pela construção da primeira máquina nuclear do país, um betatron (um acelerador de elétrons para pesquisas em física das partículas e física nuclear). Havia fundado o Instituto de Estudos Atômicos, hoje Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN) e ganhado a medalha do Mérito Naval por ter desenvolvido um sonar para a Marinha brasileira durante a Segunda Guerra Mundial. Em 1940, participou, com Gleb Wataghin (1899-1986) e Paulus Aulus Pompéia (1911-1992), de uma das mais importantes descobertas brasileiras no campo dos raios cósmicos, a dos chuveiros penetrantes - um tipo de raios cósmicos com alto poder de penetração na matéria, algo novo na época e que não podia ser explicado pelos mecanismos então conhecidos de produção de partículas por raios cósmicos.
Marcelo Damy (à esquerda) e seu professor, Gleb Wataghin, durante a visita deste último ao IFGW em 1971
O caso Rio Claro
Em 30 de janeiro de 1967, entrou em vigor a lei que incorporava a Faculdade de Ciências e Letras de Rio Claro à Unicamp. Como visto acima, em princípio era uma bênção para a instituição rioclarense. No entanto, logo apareceu a ideia de que os cursos de Física e Matemática da faculdade de Rio Claro teriam que ser transferidos para Campinas. A sociedade rioclarense reagiu, temendo perder seus cursos.
Inicialmente, vários professores e alunos de Rio Claro eram simpáticos à ideia; afinal, a Unicamp contava com recursos em termos de pessoal e de equipamentos de que a faculdade carecia. Já foram analisadas acima as dificuldades financeiras que vinham desde meados dos anos 1960, as quais se refletiam em falta de material e de docentes, no não-oferecimento de disciplinas e na diminuição do ingresso de alunos, sendo o curso de Física o mais prejudicado por este último problema.
Uma greve de estudantes rioclarenses exigindo a solução da falta de professores levou ao início do processo de integração dos cursos de sua faculdade com os da Unicamp. No entanto, paralelamente também surgiu e cresceu, entre professores e estudantes da faculdade, a ideia de simplesmente transferir os cursos de Física e Matemática de Rio Claro para Campinas. A faculdade corria o risco de perder seus cursos. Ameaça semelhante já havia acontecido em 1964, quando tentou-se transferi-los para a nascente Escola de Engenharia de São Carlos. Parte do corpo docente chegou a se mudar para lá. Houve uma reação forte da sociedade local e o processo foi suspenso.
Para várias pessoas, parecia que o mesmo estava voltando a acontecer. Em 29 e 30 de maio, dois abaixo-assinados, um de professores e um de estudantes de Rio Claro, pediam a imediata transferência dos cursos para Campinas. Foi a gota d’água. Nos poucos dias seguintes, apareceram manifestações de diversos setores da sociedade, várias em linguagem exaltada: estudantes pré-universitários, vereadores, a imprensa e até de uma loja maçon. Um mês depois, um abaixo-assinado de 3 mil assinaturas de estudantes pré-universitários levou a imprensa rioclarense a subir subitamente o tom em solidariedade aos manifestantes. O medo contaminou até a cidade vizinha de Limeira, onde o jornal local especulou se as faculdades de engenharia que iam ser construídas para serem incorporadas à Unicamp o seriam de fato. A situação se polarizou a ponto de um secretário da prefeitura reclamar que ele e sua família não podiam andar nas ruas da cidade.
A situação piorou quando começou um êxodo de professores de Rio Claro para Campinas que se estendeu pelo ano de 1967. A Diretoria da faculdade reagiu em termos duros e tentou impedir a transferência dos cursos. Em janeiro de 1968, a situação havia evoluído para uma crise com a Reitoria, que desejava a transferência dos cursos. Após cerca de um ano de reuniões entre a Diretoria, de um lado, e Zeferino e os coordenadores dos cursos de Física e Matemática, do outro, três propostas foram apresentadas ao Conselho Diretor e este decidiu pela transferência gradual dos cursos.
A Diretoria reagiu pedindo a interferência do governador do Estado, que enviou uma carta a Zeferino pedindo a suspensão do processo de integração enquanto os motivos de cada lado eram analisados pelo Conselho Estadual de Educação e pedindo propostas alternativas. Entre estas, foi aventado o desligamento da faculdade da Unicamp.
Zeferino não esperou a decisão do CEE. Enviou já em março uma carta ao órgão sugerindo o desligamento, aceito pelo Conselho dois dias depois. Foi efetivado em setembro de 1968, quando o respectivo projeto de lei foi aprovado pela Câmara dos Deputados estadual.
A crise acabou, mas os professores de Física de Rio Claro ficaram em Campinas, junto com vários estudantes. Foram eles o primeiro grupo de docentes do IFGW.
Veja mais detalhes sobre o caso na Conclusão.