O primeiro edifício: o Bento Quirino
É instalado o Instituto de Física - A Unicamp passou quatro anos tendo como única unidade a Faculdade de Medicina. A nomeação de Zeferino como reitor pro tempore foi justamente para que ela fosse expandida e pudesse ser caracterizada legalmente como universidade. Em 19 de dezembro de 1966, o Conselho Estadual de Educação deu autorização para que fossem instalados as primeiras novas unidades: os Institutos de Física, Biologia, Matemática e Química e as Faculdades de Engenharia, Tecnologia de Alimentos, Ciências e Enfermagem.
Naquele momento, a universidade contava com sete prédios espalhados em Campinas e mais um em Piracicaba e outro no distrito campineiro de Sousas - todos ocupados total ou parcialmente pela Faculdade de Ciências Médicas. O principal era a Maternidade da cidade. O Instituto de Biologia pôde funcionar provisoriamente em alguns desses prédios, especialmente na maternidade. Mas era preciso construir ou adquirir imóveis para as outras unidades.
Zeferino, porém, não queria esperar que os novos prédios fossem concluídos para começar as atividades das novas faculdades e institutos. Passou imediatamente a contratar professores e pesquisadores e a nomear diretores das novas unidades para organizarem as suas equipes docentes. No entanto, era preciso locais onde eles pudessem trabalhar. Para isso, Zeferino passou a sondar possibilidades de alugar salas, andares ou prédios inteiros pelo centro de Campinas.
O prédio do Bento Quirino - O primeiro novo local - que viria também a ser o primeiro ocupado pelo Instituto de Física - foi um belo prédio na região central de Campinas, bem ao estilo do início do século XX, construído em 1916 e 1917 e preservado até hoje. Ali funcionava o Ginásio Industrial Bento Quirino.
Porém, havia um problema: Zeferino não podia usar o imóvel exclusivamente para as suas prioridades na nova universidade, pois a legislação exigia que ele fosse usado especificamente para o ensino profissional. O caso é que o prédio do Colégio havia sido construído para cumprir as exigências do testamento de um próspero comerciante campineiro, Bento Quirino dos Santos (1837-1915). Ele reservou parte da sua herança em dinheiro para a construção e manutenção de vários estabelecimentos de cunho social, como escolas, maternidades, asilos, igrejas e orfanatos. Em particular, mil contos de réis seriam destinados à construção de um instituto de ensino profissional masculino em Campinas. Cafeicultores e profissionais liberais campineiros financiaram então a construção de um prédio para tal instituto, que veio a ser a Escola Profissional (posteriormente Ginásio Industrial) Bento Quirino.
Por isso, para poder ocupar o prédio, Zeferino instalou ali um colégio técnico. Assim foi que a segunda unidade da Universidade de Campinas, depois da Faculdade de Medicina, foi o Colégio Técnico Industrial, atual Cotuca. Nos seus primeiros dos anos, a Física teve que dividir o espaço com ele, assim como a Matemática, a Engenharia Civil e a Adminstração da instituição.
Por que o Ginásio Bento Quirino liberou o espaço para a Unicamp - A mudança do Ginásio Industrial Bento Quirino para outro lugar (no bairro Vila Estanislau), liberando espaço para a Unicamp, relaciona-se com certa conjuntura econômica e social na época. Como o prédio do Cotuca foi o primeiro a ser ocupado pelo Instituto de Física, vale a pena analisá-la. As principais fontes são a dissertação de mestrado de Lúcia Pedroso da Cruz, de 2008, e os arquivos do Siarq.
Bento Quirino dos Santos (1837-1915)
Fonte: Colégio Politécnico Bento Quirino
A instalação de um colégio técnico na Vila Estanislau era uma reivindicação das indústrias da região, da Câmara Municipal e dos representantes das entidades de classe da cidade. Associações de engenheiros industriais de São Paulo também se mobilizaram. Tratava-se do reflexo em Campinas de um processo econômico mais amplo, o aumento na industrialização do país que vinha desde os anos 1930, no primeiro governo de Getúlio Vargas (1930-1945), e que teria um salto durante o governo de Juscelino Kubitschek (1955-1961). No período JK, três regiões do Estado de São Paulo se envolveram mais intensamente nessa conjuntura: a capital, Santos (com seus pólos petroquímico e siderúrgico) e Campinas. Nesta, o aumento da população e os desenvolvimentos industrial, nas redes de esgotos e em indicadores sociais como alfabetização e mortalidade infantil a colocavam em posição vantajosa como alternativa à Grande São Paulo.
No entanto, com o desenvolvimento da indústria e dos processos tecnológicos, o ensino industrial nacional tornou-se obsoleto e afastado da realidade, necessitando de profundas alterações em sua estrutura. Os setores industriais sentiam a ameaça da escassez de técnicos industriais de grau médio do segundo ciclo.
Diante disso, foi desenvolvido um amplo programa de instalação de colégios técnicos no Estado. Os promotores desse esforço foram o poder público federal e estadual, coadjuvados por associações de engenheiros industriais de São Paulo. Para se ter uma ideia da força da orientação em prol dos cursos técnicos, o MEC chegou a defender que todos os tipos de cursos ginasiais da época (tradicional, vocacional, industrial, agrícola e comercial) fossem transformados em um único tipo, o Ginásio Orientado para o Trabalho.
Escola Profissional Bento Quirino. Campinas, SP, ca. 1919. Col. Secretaria da Agricultura, Comércio e Obras Públicas
Centro de Memória - Unicamp
A transferência do colégio para o Estado - Nesse contexto, em 24 de julho de 1951, a Escola Industrial Bento Quirino - que até então mantinha cursos básicos e industriais - foi transformada em escola técnica, que constituiria o primeiro ciclo da Escola Técnica Bento Quirino, criada pela mesma lei.
Para que essa transformação pudesse acontecer, o governo estadual propôs que a escola expandisse seu espaço físico com a construção de novos pavilhões. Porém, durante os anos 1950, o prédio começou a apresentar crescentes problemas físicos e problemas financeiros. A Associação Instituto Profissional Bento Quirino acabou doando o imóvel ao Estado, em 1958.
Para essa transferência para o Estado, pode ter contribuído o enfraquecimento do ideal dos membros originais da Associação. Nas primeiras décadas de existência do colégio, os cargos na Diretoria eram alternados dentro do mesmo grupo de pessoas. Os sócios eram membros da elite local e aguns deles eram descendentes diretos dos fundadores do Instituto. Lúcia Pedroso da Cruz (2008) vislumbra a possibilidade de o interesse dos membros pela escola, baseada inicialmente em laços de amizade profunda que unia os primeiros sócios, ir ficando gradativamente mais tênue com o passar do tempo.
O Bento Quirino deixa o Centro - Diante da má conservação do prédio, o Estado propôs que ele fosse transferido para a Vila Estanislau, na rua Orozimbo Maia, quase esquina com José de Souza Campos. A construção do novo prédio começou em 1962. Inicialmente, a Diretoria do colégio era contra a sua transferência para outro local e também contra a transformação do seu curso ginasial num curso técnico. No entanto, rapidamente mudou de opinião. Se em setembro de 1966 o diretor substituto Álvaro França de Barros se opunha às mudanças na carta ao deputado Almeida Barbosa, em janeiro do ano seguinte ele assinava embaixo de opinião inteiramente oposta. O que aconteceu nesse meio-tempo foi o agravamento das condições físicas do colégio - eram frequentes quedas de pedaços de argamassa das paredes, as trincas aumentavam constantemente e havia forte infiltração de águas de chuva, e tudo isso pareceu imune a uma pequena reforma financiada pelo governo em 1965 - e a adesão à transformação de seus cursos ginasiais em técnicos, que demandam espaço maior do que o permitido pelo prédio da Culto à Ciência.
Nesse ínterim, entrou em cena Zeferino Vaz. Se o prédio do Bento Quirino seria desocupado, era uma oportunidade para ele colocar ali as primeiras instalações da nova Universidade de Campinas. Foi proposto que a própria universidade bancasse as reformas que o governo estadual não havia conseguido fazer durante o ano e meio anterior.
No dia 10 de janeiro, o reitor visitou o colégio junto com o presidente do Conselho Estadual de Educação, Arnaldo Laurindo, e em seguida enviou uma carta à Secretaria de Negócios de Educação pedindo a imediata transferência dos cursos do Bento Quirino para o novo prédio e a entrega do edifício na rua Culto à Ciência aos cuidados da Universidade de Campinas. Demoraram apenas duas semanas para que tudo fosse feito. O convênio entre a universidade e a Secretaria foi assinado no dia 27.
O que Zeferino colocaria no novo espaço? Primeiro, a Administração da nova universidade. No entanto, o termo de doação do prédio da Associação Instituto Profissional Bento Quirino para a Fazenda do Estado de São Paulo, aquele de 1958, requeria que ele fosse usado para uma escola profissional. Entre as unidades que o governo havia autorizado a universidade a instalar, na lei de criação da UEC de dezembro de 1962, estava um colégio técnico industrial. Zeferino, então, instalou-o lá.