Uma tese defendida no IFGW na área de neurofísica, e indicada para concorrer ao Prêmio CAPES de Tese 2023, foi a vencedora na categoria Astronomia/Física. O autor é o ex-aluno de doutorado Sérgio Luiz Novi Júnior, e o orientador, o professor Rickson Coelho Mesquita, do grupo de Neurofísica do Departamento de Raios Cósmicos e Cronologia (DRCC). No total, 49 teses, de diversas áreas do conhecimento, e de instituições de todo o país, foram escolhidas, entre 1.469 teses participantes. O resultado final foi divulgado pela CAPES no dia 31 de agosto. A cerimônia de premiação está prevista para acontecer em dezembro.
Para concorrer ao prêmio CAPES, a tese passa, antes, por indicação do Instituto, que forma uma comissão para analisar as candidaturas. O processo é feito pela Coordenadoria de Pós-Graduação e, para participar, o aluno precisa se inscrever e ter carta de recomendação do orientador. Em 2022, das 24 teses defendidas no IFGW, 8 concorreram à indicação. Na ocasião, a comissão da Pós considerou que a tese de Novi Júnior  apresentava uma série de resultados de grande relevância em sua área de pesquisa. 
A tese “Investigação da neuroplasticidade funcional no cérebro humano com espectroscopia no infravermelho próximo” foi defendida após 6 anos de pesquisa. “Ainda estou assimilando a notícia da premiação. Dá para ver que é algo grande e que, com certeza, vai ser muito importante para a minha carreira, vai abrir portas”, diz Novi Júnior.
A espectroscopia funcional por infravermelho próximo, conhecida pela sigla fNIRS, é uma técnica não invasiva, que utiliza luz de infravermelho para medir a atividade cerebral. Na investigação da plasticidade cerebral, que é a capacidade do cérebro de se adaptar e recuperar funções que foram perdidas, a técnica apresenta resultados satisfatórios na análise de grupos de voluntários, mas o mesmo não ocorria quando se buscava a análise individual - que pode gerar dados mais específicos sobre o estado de um paciente. “Você podia coletar dados de um mesmo voluntário várias vezes e os resultados mudavam. A variabilidade era muito alta”, observa o pesquisador. 
Com o desafio de aprimorar a técnica no sentido de viabilizá-la para a análise individual, Novi Júnior precisou agregar conhecimentos de outras áreas, cursando disciplinas no Instituto de Biologia e na Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC), e recorrer à colaboração de pesquisadores do Brasil e do exterior nas várias etapas da pesquisa. O trabalho consistiu na criação de uma metodologia de aquisição e processamento dos dados a fim de remover as principais fontes de ruído da técnica: os artefatos de movimento (ruídos devidos ao movimento relativo das fontes e detectores em relação ao escalpo, que podem ser confundidos com atividade cerebral). Foi preciso ainda o desenvolvimento de um neuronavegador para um melhor posicionamento dos optodos - dispositivos que são fontes e detectores de luz e são colocados na cabeça dos pacientes para a coleta de dados - e a remoção de contaminações fisiológicas de origem não cerebral - ruídos provindos de batimentos cardíacos, por exemplo.
 

Networking

O neuronavegador foi desenvolvido na Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC) da Unicamp. O algoritmo de correção dos artefatos de movimento foi criado com a colaboração de pesquisadores das universidades da Pensilvânia e de Misericórdia, ambas nos EUA. A maior parte das coletas foi feita na Faculdade de Medicina da Unicamp. Colaboraram também pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Western University (Canadá). "Um trabalho desta complexidade e magnitude não teria como ser feito sozinho. E o Rickson tem um networking rico, que me ajudou muito. Além de reuniões e discussões diárias com ele (o orientador), tive a ajuda de diversos pesquisadores, como a profa. Wu Ting, da FEEC, e a profa. Tatiana Benaglia, do IMECC. Ambas me ajudaram muito ao longo dos anos", destaca o pesquisador. Dos seis papers diretamente relacionados à tese, que foram publicados, Novi Júnior destaca dois que considera os mais importantes: o relacionado aos artefatos de movimento (https://l1nq.com/CSOGs), publicado em janeiro de 2020 na revista Neurophotonics, uma das principais da área, e o do neuronavegador, publicado na revista Frontiers in Neuroscience em julho de 2020 (https://www.frontiersin.org/articles/10.3389/fnins.2020.00746/full.
Ao final, a pesquisa comprovou que é possível a análise individual de pacientes pela técnica fNIRS desde que o sinal seja adquirido e analisado da forma correta. “Isso é muito importante e abre caminho para diversas aplicações”, diz o pesquisador. Ele cita, como exemplo, o tratamento individualizado de um paciente de AVC (acidente vascular cerebral): “Você não vai querer, para ele, um programa de reabilitação que funcione bem na média: você quer individualizar aquele tratamento, para que o paciente se recupere da melhor forma possível. Com uma técnica de neuroimagem que te permite fazer isso, você consegue ver o que dá melhor resultado no nível do cérebro daquele indivíduo, ou seja, você sai de algo que funciona para alguns pacientes mas que não funciona para outros, para chegar ao que funciona melhor para cada indivíduo”, frisa o pesquisador que, atualmente, está fazendo pós-doutorado na Western University, no Canadá.

Biomarcadores

“Um estudo que a gente consegue desenvolver agora, e que estou fazendo no meu pós-doutorado, é a investigação para encontrar biomarcadores, em nível individual, em pacientes que estão na UTI”, explica o pesquisador. Segundo Novi Júnior, o objetivo é, por meio da técnica, encontrar função cognitiva preservada em pacientes em coma, o que pode prover um biomarcador que irá predizer se o paciente terá uma boa ou uma má recuperação, quais as chances de recuperação e qual o melhor tratamento para o caso em específico. “Acessar” o cérebro de paciente em UTI é possível por ressonância magnética, mas isso implica em riscos à saúde dele, pela necessidade do deslocamento para a sala onde fica a máquina. “Com o fNIRS, você consegue fazer a medida de forma mais prática e segura para o paciente, porque leva o equipamento (um carrinho que transporta o sistema juntamente com a caixa onde estão as fontes e os detectores de luz) até o leito”, explica o pesquisador.

 

Orientador diz que pesquisa focou em aspectos básicos, porém negligenciados

Rickson Coelho Mesquita, orientador da tese premiada, diz que recebeu a notícia com entusiasmo e surpresa. “Senti orgulho pelo reconhecimento a um trabalho de altíssimo nível executado no meu laboratório, que ao longo dos últimos anos tem ganhado destaque na comunidade de óptica biomédica”, observa. Ele explica que a tese questionou aspectos básicos porém negligenciados pela maioria dos pesquisadores que trabalham com neuroimagem. “Ao longo do doutorado, o Sérgio evidenciou questões metodológicas cruciais das técnicas ópticas de neuroimagem e apresentou soluções que hoje são adotadas em diversos laboratórios no Brasil e no mundo”, ressalta Mesquita.  
“Estou feliz pelo Sérgio, pelo fato de conhecer de forma bem próxima a sua história e trajetória de vida, e de ter presenciado de perto a sua dedicação, comprometimento e resiliência exemplares ao longo do doutorado”, elogia. O orientador observa que ‘a vida é feita de escolhas, algumas das quais são dolorosas tanto para quem as faz quanto para aqueles que são impactados por elas’. “O trabalho final mostra apenas a superfície visível das escolhas feitas pelo Sérgio ao longo do doutorado, é a ponta do iceberg. Mas ele não revela o oceano de coisas que ele abriu mão ao não seguir outros caminhos, nem as consequências destas escolhas. O Sérgio se entregou completamente a esse projeto, e as formas de reconhecimento que ele tem recebido de alguma forma amenizam as escolhas e dão a sensação de que valeu a pena”, enfatiza Mesquita. 
A surpresa, segundo o orientador, foi em relação à escolha de um trabalho de natureza transdisciplinar. “O fato de um trabalho tão transdisciplinar, e que toca em aspectos fundamentais de física experimental aplicada à neuroimagem, ter sido reconhecido por uma comunidade que, em sua maioria, é conservadora e mais inclinada à física teórica, foi positivamente surpreendente para mim”, ressalta. Ele diz torcer para que essa conquista ‘possa servir como inspiração para todos aqueles que desenvolvem pesquisa experimental e interdisciplinar’. “Física, Química, Biologia e Matemática podem se constituir em um fim por si mesmas, mas elas também são ferramentas que nos auxiliam a compreender a vida e o mundo que nos cerca e não deveriam ser tratadas como áreas completamente desconexas. No fim, o que realmente importa são os problemas e desafios científicos em aberto, independentemente do campo no qual eles se manifestem e onde eles são realizados”, ressalta. “Como pesquisador, penso que precisamos ter atitudes que respeitem e integrem diferentes áreas do conhecimento, e não que as segregam ainda mais”, complementa Mesquita.
“A concessão de um prêmio desta relevância para um problema tão transdisciplinar, e vindo de uma área tão conservadora, me diz que há esperança no futuro impacto que a comunidade científica brasileira pode causar em problemas que fogem a uma ou outra disciplina, e que também tendem a ser complexos e urgentes para enfrentarmos enquanto sociedade”, conclui o orientador.

 

Prêmio é um marco para o IFGW, diz diretora

“Enquanto diretora, fico muito feliz que a pesquisa em física aplicada à medicina do IFGW esteja cada vez mais sendo reconhecida extra-muros. O prêmio em si é um grande marco, e agrega ainda mais por fortalecer essa área Institucionalmente”, diz a diretora do IFGW, Mônica Alonso Cotta.
“Do ponto de vista pessoal, fico feliz pelo Sérgio, pois a formação dele está muito ligada ao IFGW. Pude acompanhar sua trajetória e fazer parte dela em alguns momentos. Sergio teve um grande orientador e apoiador no Prof. Rickson Mesquita. Assim, esse prêmio serve também como um marco da excelente pesquisa realizada pelo Prof Rickson dentro do IFGW”, elogia.
A diretora destaca o fato de que parte do trabalho da tese foi feita no período em que o mundo lutava contra a Covid 19. “Note que o Sérgio realizou o trabalho de doutorado dele durante a pandemia, numa área de saúde, o que tornou suas atividades muito mais complicadas de realizar do que seria normalmente. O prêmio foi um reconhecimento não só pelos excelentes resultados obtidos na tese, mas também pela dedicação e postura de nossos profissionais”, salientou Mônica.
O coordenador da Pós-Graduação do IFGW, o prof. Orlando Luis Goulart Peres credita a conquista do ex-doutorando a ‘um trabalho coletivo, que conta com o apoio da Pós-Graduação nas várias etapas do curso’. “Prezamos para que todas as linhas de pesquisa sejam apoiadas e apreciadas no Instituto”, frisa Peres. “Termos o reconhecimento da CAPES por dois anos consecutivos indica que estamos fazendo um bom trabalho na pós-graduação”, observa ele, se referindo também à menção honrosa que a CAPES deu à tese indicada pelo IFGW para a edição 2022 do Prêmio, defendida pelo ex-aluno Carlos Stefano em 2021, também na área de neurofísica. “O fato de a tese agora premiada ser de uma área transdisciplinar demonstra que a Física está tendo um papel maior fora de seu objeto de pesquisa e isso é louvável”, ressaltou Peres. 

Premiação
A CAPES leva em conta, ao escolher os premiados, a originalidade do trabalho, a inovação e a relevância para o desenvolvimento científico, tecnológico, cultural e social, além do valor agregado pelo sistema educacional ao candidato. Os premiados recebem bolsa de um ano para estágio pós-doutoral, e os orientadores, R$ 3 mil. 
Os premiados ainda concorrerão a um prêmio maior - o Grande Prêmio CAPES de Tese. Serão três escolhidos, nas áreas de Humanidades, Ciências da Vida e Ciências Exatas, Tecnológicas e Multidisciplinar. O prêmio será uma bolsa para estágio pós-doutoral em instituição internacional, por até 12 meses, certificado e troféu. Os orientadores dos vencedores do Grande Prêmio receberão um recurso de R$ 9 mil para participação em congresso internacional e certificado de premiação. Recebem certificado também os coorientadores e o Programa de Pós-Graduação.
 

Foto: Divulgação

Sérgio Novi Júnior (agachado, com a camiseta da Unicamp) e Rickson Coelho Mesquita (primeiro da esquerda para a direita) com alunos do grupo de Neurofísica durante uma das coletas

 

Novi Júnior (agachado, com a camiseta da Unicamp) e Rickson Coelho Mesquita (primeiro da esquerda para a direita) com alunos do grupo de Neurofísica