Conclusão

Por que o Instituto de Física da Unicamp conseguiu crescer e se consolidar tão rápida e eficientemente?

As conjunturas favoráveis

A resposta mais comum a esse tipo de pergunta refere-se aos talentos individuais, homens de visão que estiveram no lugar certo na hora certa. De fato, candidatos a isso não faltam: Zeferino, Damy, Sérgio Porto, Cerqueira Leite e, fora da universidade, José Pelúcio, na Finep. Mas essas pessoas nada poderiam fazer e não houvesse conjunturas e oportunidades favoráveis. De fato, vimos como Sérgio Porto e Cerqueira Leite foram aos EUA após não conseguirem ambiente adequado para suas pesquisas no Brasil, seguidos por várias pessoas que se tornaram seus alunos, durante o período de maior fuga de cérebros do governo JK. O governo militar, apesar da violência e do fechamento político, reverteu essa situação tanto (temporariamente) na área econômica - falamos do período de bonança interna e externa da época do Milagre Econômico (1967-1973) - quanto na política - colocando nos postos-chave pessoas que compartilhavam a ideologia segundo a qual o desenvolvimento depende dos avanços científicos e tecnológicos.

Entre a pessoas colocadas (ou mantidas) nesses cargos estavam o ministro do Planejamento, José Paulo dos Reis Veloso, o diretor da Finep, José Pelúcio Ferreira, e o reitor pro-tempore da Unicamp, Zeferino Vaz. Na figura José Pelúcio convergiram duas das conjunturas favoráveis: a ideologia da pesquisa em prol do desenvolvimento e o potencial real de investimento devido à fartura econômica na época do Milagre.

A intenção do Planalto de investir em programas considerados estratégicos, como as comunicações, convergiu com as possibilidades do grupo de Estado Sólido que chegou a partir de 1970. Mesmo após o fim do Milagre, com a crise do petróleo de 1973, passaram a ser financiadas pesquisas em fontes de energia alternativas. Tudo isso fez com que as pesquisas do IFGW, depois de 1970, dessem ênfase à parte aplicada e experimental. Isso tornou o Instituto uma exceção no Terceiro Mundo, onde a maior parte das pesquisas em Física tende a ser teórica. Décadas mais tarde, foi atingido um equilíbrio com a parte teórica e a pesquisa básica, por causa de novos grupos de pesquisa e de reorientações nos grupos já existentes.

Nesse processo, é interessante como vários grupos que começaram com assuntos direcionados às necessidades estratégicas do país na época de sua formação mais tarde evoluíram para outras linhas de investigação. As pesquisas com separação de isótopos de urânio passaram à pesquisa básica sobre física atômica e molecular e sobre lasers; as sobre catálise para carros se deslocaram para a física básica e aplicada de superfícies; as de conversão de carvão em derivados de petróleo evoluíram para o estudo dos nanotubos de carbono.

O fator “experiência”

Por outro lado, as oportunidades e conjunturas favoráveis por si só não são suficientes se não há pessoas que saibam aproveitá-las. Nesse sentido, as escolhas feitas pelas pessoas incumbidas de determinar quem ocuparia os cargos mais relevantes foram fundamentais. Pesquisadores extremamente experientes como Marcelo Damy e Sérgio Porto fizeram diferença por pelo menos quatro razões.

Equipe nos anos 1970

Concentração de experiências.
Físicos reunidos na escadaria do Instituto de Física nos anos 1970, entre eles
Marcelo Damy de Souza Santos,
Rogério Cezar de Cerqueira Leite,
Zoraide Primerano Arguello,
Nelson Parada e Carlos Alfredo Arguello.
O chamado "Grupo de Campinas"
era composto por mais de 50 físicos.
Foto: Antônio Lúcio

Primeiro, claro, porque tinham grande competência técnica. Segundo, porque tinham fino tino para que estudos seriam adequados para a conjuntura internacional e nacional do momento. E combinavam isso com a ousadia, necessária para qualquer inovação. Assim, Damy reservou 50% da área dos prédios de pesquisa do Instituto à Física do Estado Sólido, sendo que, na época, havia pouquíssimos grupos estudando-a no país.

Terceiro, por darem peso para a instituição, uma impressão de destino promissor, o que facilitava a cooptação de pessoas para trabalharem lá - o IFGW era o lugar onde ninguém menos que César Lattes estava descobrindo "novos estados da matéria", as bolas-de-fogo, que retumbaram pela imprensa. E quarto, porque possuíam redes sociais muito ricas em pessoas igualmente experientes e podiam, assim, alcançar e convencer esses profissionais a irem para a Unicamp. Além disso, isso os permitia identificar e aproveitar oportunidades a tempo, como a indisposição de César Lattes na USP ou a existência de um grupo de ex-alunos brasileiros de Sérgio Porto na Física do Estado Sólido, dispersos geograficamente mas coesos em seus interesses em voltar em conjunto ao Brasil. Isso é particularmente importante em áreas em que o país não tem tradição, como era no caso do estado sólido, pois, nessa situação, foi preciso "importar" conhecimento de fora (no caso, por meio de Sérgio Porto, que fez sua pós-graduação na Universidade John Hopkins e depois trabalhou na Bell Labs e na Universidade do Sul da Califórnia). Trata-se de um fenômeno que acontece frequentemente na história da ciência no Brasil e em outros países que tentam pegar o "bonde da História" na pesquisa científica.

Os itens "peso" e "redes sociais" valem também para Zeferino Vaz, uma pessoa com experiência no ramo de construir instituições de pesquisa, tendo montado a Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, e possuidor de uma rede social muito boa: além de ter bom trânsito tanto na ala moderada quanto na ala dura do governo militar, ele conhecia e era amigo de cientistas muito experientes, como Marcelo Damy.

As pessoas que chegavam eram profissionais experientes, já com carreiras consolidadas e por vezes iam com equipes inteiras. Lattes simplesmente transferiu seu grupo todo da USP para a Unicamp, incluindo a colaboração Brasil-Japão em raios cósmicos. Porto levou seus ex-alunos espalhados pela América do Norte. O pessoal de Rio Claro ficou também todo na Unicamp. E, quando se fala em equipes, não se trata só de profissionais: vários alunos foram transferidos para o IFGW junto com essas pessoas, tanto de Rio Claro quanto no grupo de Lattes.

Portanto, o sucesso do Instituto e Física Gleb Wataghin pode ser em boa parte explicado pela convergência entre as conjunturas favoráveis e pessoas capazes de identificá-las e aproveitá-las.