Grupo de Cronologia (GC)
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O termo "cronologia", no nome do grupo, refere-se à pesquisa sobre métodos de datação (de rochas, por exemplo) por meio da detecção de decaimentos radioativos; porém, o grupo também atua em diversos outros temas em que os elementos radioativos são usados como instrumento de investigação, como medidas da contaminação do ar por radônio e filhos, terapia de câncer por captura de nêutrons por boro (BNCT) e a termocronologia (determinação da história térmica de amostras geológicas, em especial para ajudar na prospecção de petróleo). São também feitas pesquisas básicas sobre os traços nucleares (as marcas que as partículas provenientes de decaimentos radioativos deixam nos materiais, principal indicador usado pelo grupo nas investigações), fluxo de nêutrons e taxa de fissão do urânio.
Fonte da figura: Wikipedia.
Num átomo, é o número de prótons que define de que elemento químico ele é. Assim, cada elemento pode ter diferentes números de nêutrons no seu núcleo – ou seja, tem diferentes isótopos. Ex.: urânio-235 (que tem 92 prótons e 143 nêutrons, sendo 235 a sua soma) e urânio-238; boro-10 e boro-11 etc.
Grande parte dos isótopos é instável, isto é, os núcleos de seus átomos se desintegram espontaneamente, liberando energia por meio da emissão de partículas alfa, beta e até da fissão espontânea, no caso de núcleos pesados.
O urânio-238, por exemplo, emite uma partícula alfa e se transforma em tório-234. Esse isótopo do tório, por sua vez, emite uma partícula beta e se transforma em protactínio-234. Isso prossegue, no que se chama “série radioativa”, que só vai terminar quando a série alcança um elemento estável – no caso, o chumbo-206 (veja a figura ao lado).
Um isótopo estável pode ser transformado em um instável através de vários métodos, por exemplo pela irradiação com nêutrons em reatores nucleares.
Num outro exemplo de irradiação produzida por nêutrons, ao se irradiar boro-10 com nêutrons de baixa energia, há grande probabilidade de este núcleo capturar um desses nêutrons e se transformar no isótopo boro-11, que é instável. O núcleo de boro-11 se desintegra espontaneamente, transformando-se em uma partícula alfa mais um núcleo de lítio. Esta reação nuclear é a base do tratamento de câncer via terapia de captura de nêutrons pelo boro (em inglês BNCT – boron neutron capture therapy).
Já o urânio-235, quando bombardeado com nêutrons de baixa energia, torna-se o urânio-236, que é também instável e se desintegra em 2 núcleos de massas mais ou menos a metade da do urânio-236, mais algumas partículas (2 a 3 nêutrons e radiação gama e beta) e libera uma considerável quantidade de energia. Esta fissão induzida por nêutrons é a base da reação que gera energia reatores nucleares.
Na natureza, existem misturados vários isótopos dos diversos elementos químicos, em diferentes proporções. O urânio natural, por exemplo, é constituído basicamente de 99,28% de U-238 e 0,71% de U-235. Assim, aumentar a proporção do U-235 em relação ao U-238 – enriquecimento do urânio – é um procedimento importante para que reatores nucleares possam funcionar adequadamente, já que é o U-235 que funciona como seu “combustível”.
Quando reatores nucleares têm grande porte, são usualmente utilizados para produzir energia elétrica, como é o caso das usinas nucleares de Angra 1 e 2, instaladas no estado do Rio de Janeiro. Já os reatores de pequeno porte são usados para pesquisa. Os nêutrons ali produzidos podem ser utilizados para a datação de minerais, para a produção de diversos radioisótopos úteis para o diagnóstico e tratamento de pacientes de diversos tipos de câncer, etc.
Para esses diversos estudos, um dos principais métodos usados pelo grupo usa o conceito de "traço nuclear". Quando um produto de decaimento como uma partícula alfa ou um fragmento de fissão é emitido por um átomo (veja Box acima) no interior de um material, a partícula a atravessa e vai "estragando-a" (danificando a sua estrutura) no caminho, fazendo uma marca através da mesma até ser completamente parada pelo material, depois de caminhar algumas dezenas de micrômetros. Essa marca chama-se traço latente (veja a figura abaixo). Com a aplicação de um tratamento químico, a marca pode ser aumentada até se transformar em um "túnel" grande o suficiente para ser visível no microscópio. É o que se chama "traço nuclear".
Traço latente produzido pela passagem de uma partícula carregada eletricamente através de um material.
Fonte: Schiwietz et al., 2004. Nuclear Instruments and Methods B, vol 225, 4-26
Uma das técnicas mais usadas para se investigar as desintegrações dos núcleos atômicos é observar os traços nucleares surgidos por causa das mesmas. Os principais instrumentos usados pelo grupo para isso são detectores (o CR-39 e o LR-115) constituídos basicamente de um pedaço de plástico (polímero) no qual as partículas incidem. Os detectores plásticos são usados para detectar partículas alfa. Traços de fragmentos de fissão, ou simplesmente traços de fissão são detectados em minerais como a mica muscovita, a apatita, o zircão e o epídoto. As partículas alfa ou fragmentos de fissão penetram no detector e produzem nele os traços latentes. É preciso então fazer o tratamento químico na amostra, para se obter o traço nuclear (de alfa ou fissão)
Sistema de microscopia para análise dos traços nucleares.
Traços de partículas alfa em CR-39.
Um dos problemas estudados pelo grupo com o método dos traços nucleares é o da contaminação de radônio no ar. O radônio-222 origina-se do urânio-238, que existe em pequenas quantidades em diversos materiais, inclusive nos de construção. A razão é que a série radioativa que começa no U-238 - a sequência de elementos em que ele vai se transformando por emissão de radiação alfa e beta - passa pelo radônio (veja a figura no Box acima; o radônio é o elemento de símbolo Rn), no meio da série. Acontece que o radônio é um gás nobre, isto é, ele praticamente não reage quimicamente com nenhuma outra substância. Por isso, o radônio formado no solo, no cimento e tijolos das paredes das casas e prédios, por causa do decaimento do urânio, acaba difundindo-se para o interior de ambientes de convívio humano.
Na atmosfera, o decaimento do radônio produz outras espécies radioativas que são os chamados “filhos do radônio” - os elementos que se seguem a ele na série radioativa (veja a figura no Box acima). Estes, ao contrário do radônio, têm muita facilidade de se ligarem a aerossóis. Ao respirarmos, aerossóis se fixam no pulmão e filhos do radônio presos a eles continuam a série radioativa – os filhos vão emitindo radiação até chegar no chumbo, o produto final dessa série.
O grupo estuda não só o radônio, mas também os seus filhos, pois são eles que vão causar o maior dano ao organismo (o radônio, por ser um gás nobre, depois de inspirado poderá ser expirado, enquanto os filhos serão depositados no pulmão). São feitas medidas da distribuição geográfica e da concentração do radônio e de seus filhos em ambientes de convívio humano. O radônio atmosférico tende a se acumular no interior das casas, por causa do ambiente fechado. Dentro de tais ambientes, a concentração de radônio é cerca de 100 vezes maior que do lado de fora. Mesmo assim, ele aparece em concentração muito pequena, de modo que é controverso se ele é capaz de contribuir para o câncer ou não. Atualmente, há uma investigação do grupo sobre uma possível correlação entre a concentração de radônio e a leucemia mielóide aguda em crianças.
Uma outra área abordada pelo grupo com as medidas de traços de fissão relaciona-se ao boro. Este elemento pode ser usado para tratar o câncer com uma técnica conhecida por BNCT (boron neutron capture therapy, ou “terapia por captura de nêutrons por boro”). O mecanismo do tratamento é o seguinte. Primeiro, administra-se no paciente um fármaco contendo boro-10 e capaz de se ligar naturalmente a células do tumor. Em seguida, bombardeia-se o tumor com nêutrons. Os nêutrons são capturados por parte dos átomos de boro-10, que se transformam então no boro-11, que é instável (vide Box acima) e decai em lítio mais uma partícula alfa. Essas partículas, ao atravessarem a célula dentro da qual foram produzidas, depositam aí uma grande quantidade de energia, principalmente via processos de ionização atômica, o que danifica fortemente a célula, podendo levá-la à morte. Acontece que o caminho médio feito por uma partícula alfa até ela ser absorvida pelo material circundante é da mesma ordem que o tamanho da própria célula. Ou seja, como o boro está concentrado no tumor, praticamente só o tumor será destruído com esse tratamento.
Para se aperfeiçoar essa técnica, é preciso conhecer bem, quantitativamente, a reação boro-11 → lítio + alfa, bem como o fluxo de nêutrons no boro-10, e é aí que as pesquisas do grupo se concentram. Seus membros contribuem para essa área, por exemplo, medindo a taxa em que essa reação acontece (o que é feito detectando-se as partículas alfa emitidas pelo boro com os detectores plásticos, como o CR-39 e LR-115), estudando o fluxo de nêutrons e estudando a biodistribuição de compostos borados, ou em que proporção a droga se distribui entre tecidos saudáveis e tecidos cancerígenos.
Com os traços de fissão, é possível aproveitar um outro fenômeno, o annealing. Trata-se da diminuição dos traços com o tempo e temperatura. Analisando-se a quantidade e o tamanho dos traços de fissão, pode-se determinar a idade de rochas e a sua história térmica, isto é, as temperaturas que ocorreram nos minerais no passado remoto (é a área chamada “termocronologia”). Para isso, é preciso compreender bem o fenômeno do annealing.
O grupo age nessa área tanto estudando o annealing em si (observando como o traço de fissão diminui quando uma amostra é aquecida) como aplicando o método na prospecção de petróleo, em colaboração com a Petrobras. Ele é importante para a indústria petrolífera porque, com a história térmica fornecida pelo annealing, é possível determinar se uma certa região onde se suspeita que possa haver petróleo possuía a temperatura necessária para que o produto fosse formado, entre 60 e 120 graus – se a temperatura for muito baixa ou muito alta, o petróleo não se forma ou forma-se muito pouco.
A termocronologia é analisada em três minerais: a apatita, o zircão e o epídoto, pois cada um deles possui uma faixa de temperatura diferente na qual a determinação da história térmica por traço de fissão é possível (se a temperatura for alta demais, o traço de fissão sofre annealing total e desaparece; se for baixa demais, o annealing é muito pequeno para ser medido com a precisão necessária). Os três são, assim, complementares.
Traços de fissão espontânea em (a) apatita.
Traços de fissão espontânea em (b) zircão.
Traços de fissão espontânea (c) epídoto
Traços de fissão induzida em (d) mica muscovita.
Além disso, o grupo também faz pesquisas sobre a determinação de fluxo de nêutrons e sobre a taxa de desintegração do U-238. As irradiações envolvendo nêutrons são atualmente realizadas no reator do IPEN/CNEN em São Paulo. Os nêutrons são um instrumento importante em pesquisas envolvendo a física nuclear. Foi dito acima, por exemplo, que, no tratamento de câncer com BNCT, o boro-10 é transformado no seu isótopo instável, o boro-11, com o bombardeio de nêutrons. Para se analisar esse processo, é necessário não só detectar as partículas alfa do boro-11 como também saber com precisão quantos nêutrons estão incidindo sobre o boro-10. Outro exemplo: nêutrons são emitidos continuamente pelos reatores de usinas nucleares; a medida da quantidade dos mesmos é um dos principais métodos para se monitorar a atividade da usina. No grupo de Cronologia, utiliza-se monitores de urânio e tório, que capturam nêutrons e emitem fragmentos de fissão, que por sua vez são detectados por micas muscovitas, onde os traços são contados. A quantidade destes traços é proporcional ao fluxo de nêutrons.
O Grupo de Cronologia foi criado por César Lattes por volta de 1970. A idéia de Lattes era testar uma hipótese levantada pelo físico inglês Paul Dirac em 1937, segundo a qual as constantes universais como a carga do elétron, a constante de Planck, a velocidade da luz no vácuo e a constante gravitacional, não seriam totalmente constantes, mas variariam no tempo, especialmente no início da história pós-Big-Bang.
A idéia de Lattes era verificar se havia algum desvio entre a observação de alguns fenômenos relacionados à física nuclear feita por diferentes métodos. Isso poderia indicar que as constantes universais variavam de algum modo. O grupo passou a trabalhar com o método dos traços de fissão.
Para isso, era preciso melhorar primeiro os métodos de medida, ou seja, as determinações da taxa de decaimento do urânio-238 por fissão espontânea e as medidas de fluxo de nêutrons.
Os desvios ainda não foram observados mas, com o tempo, o grupo adquiriu expertise em medidas do traço de fissão. Passou, então, a explorar diversas possibilidades desse método, especialmente depois que foi adquirido o detector CR-39, no início dos anos 1980. Entre as novas áreas de pesquisa, estão a termocronologia, a dosimetria da contaminação de radônio radioativo no ar e a medida da taxa da reação 10B(n, alfa), ligada ao tratamento do câncer por BNCT. No fim dos anos 1990, começou a interação com a Petrobras para usar a termocronologia na prospecção de petróleo. Continuam, enquanto isso, as pesquisas básicas sobre medidas de fluxo de nêutrons, da taxa de decaimento do urânio-238 e sobre a influência da temperatura no annealing.
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