Laboratório de Preparação e Caracterização de Materiais (LPCM)
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O grupo do Laboratório de Preparação e Caracterização de Materiais é especializado nas técnicas de difração de raios-X (especialmente, na difração múltipla de raios-X).
A difração de raios X é uma importante técnica para o estudo de materiais que permite obter informações sobre a estrutura atômica e molecular detalhada de vários deles (notadamente os cristalinos). É possível, com esse método, identificar as posições atômicas e a composição química das amostras investigadas, além das tensões na sua rede cristalina, e também identificar as fases cristalinas nela presentes.
No fenômeno de difração, faz-se um feixe de raios-X incidir sobre o material a ser estudado e detecta-se o feixe de raios que emerge dele. Ao interagir com a estrutura atômica da amostra, o feixe é difratado pelos seus átomos. Como resultado, as várias direções em que os raios-X emergem do material carregam diversas informações sobre a estrutura atômica do mesmo, que são de grande importância para sua completa caracterização. Esses dados podem ser extraídos e interpretados analisando-se os raios-X emergentes. Assim, pode-se, após algum trabalho, construir uma imagem da estrutura do cristal, com as posições de seus átomos.
Na difração múltipla, por sua vez, um único feixe de raios-X incidente produz simultaneamente mais de um feixe difratado. A difração múltipla é interessante por causa da sua grande sensibilidade – ela permite a detecção de pequenas distorções na rede cristalina do material. Além disso, fornece informações tridimensionais sobre as redes, inclusive sobre as possíveis interfaces presentes entre dois materiais ou entre duas regiões com diferentes estruturas cristalinas. Assim, o método é capaz de extrair informações simultâneas de duas ou mais regiões cristalinas dentro das amostras analisadas, o que geralmente não está disponível a partir de outras técnicas convencionais.
É interessante notar que as informações podem ser obtidas tanto no plano da superfície da amostra quanto nas interfaces entre diferentes partes da mesma, quando presentes. Por exemplo, é possível determinar a fase da estrutura analisada, permitindo distinguir entre uma estrutura e a sua “imagem” no espelho. Essa importante informação é perdida nas técnicas mais tradicionais de difração.
A parte principal dos estudos do grupo é feita na linha de luz XRD1 do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), em Campinas, que foi adaptada para experiências de difração múltipla de raios-X. A razão do uso do LNLS é que a radiação síncrotron fornece raios X polarizados no plano, com alta intensidade, baixíssima divergência e sintonia adequada no comprimento de onda – condições que, quando obtidas simultaneamente, permitem experiências únicas com essa técnica.
Difratômetro P4 para monocristais da Bruker modificado para experimentos de difração múltipla de raios-X instalado no LPCM
Análise de modificações estruturais em cristais – As modificações podem se dar por crescimento do cristal ou pela ação de agentes externos, como variações da temperatura, campo elétrico aplicado sobre a amostra, aplicação de uma tensão mecânica sobre ela, etc.
Estudo da piezeletricidade em cristais – Os materiais ditos piezelétricos, quando são submetidos a uma pressão (ou a um campo elétrico externo), podem produzir uma tensão elétrica (ou um deslocamento das suas cargas elétricas – deformação da rede cristalina). Tais materiais aparecem em diversos dispositivos presentes no cotidiano, como certos tipos de alto-falantes, microfones e isqueiros.
A difração múltipla de raios-X permite a obtenção do coeficiente piezelétrico de um material, que é um parâmetro que caracteriza quanta tensão elétrica ele desenvolve sob uma dada pressão. Para usar a difração para estudar esses coeficientes, investiga-se o efeito piezelétrico inverso, no qual um campo elétrico aplicado sobre o material produz deformação em sua rede cristalina. Essa microdeformação pode ser detectada pela difração múltipla; a partir dela, podem ser inferidos todos os coeficientes de uma maneira muito versátil. Em particular, o grupo tem observado os coeficientes piezelétricos de diversos materiais orgânicos e aminoácidos.
Caracterização de estruturas epitaxiais semicondutoras – Estruturas epitaxiais de um material cristalino são partes diferenciadas do mesmo, situadas próximas à superfície, formadas durante alguns processos de tratamento. Um exemplo aparece no caso dos íons de ferro implantados em silício, comentado mais abaixo. Sendo os semicondutores materiais cristalinos que apresentam alta perfeição, a difração múltipla de raios-X é muito apropriada para estudá-los em detalhe.
Com a difração múltipla, as redes das camadas epitaxiais e do substrato são analisadas simultaneamente, assim como as interfaces presentes nas amostras. Informações sobre as propriedades estruturais das estruturas epitaxiais, como tensões nas redes da camada epitaxial e do substrato, tanto na direção do crescimento (perpendicular) quanto na direção paralela (in plane), podem ser obtidas simultaneamente. Além disso, informações sobre a distribuição de tensões, na superfície ou interface, podem ser obtidas das medidas a partir do mapeamento das reflexões Bragg-Superfície (BSD).
Sistema X´Pert MRD da Philips instalado no LPCM para análises de amostras policristalinas, filmes finos e estrutura epitaxiais semicondutoras
Instrumentação para a difração de raios-X – Esse termo refere-se a um setor da atividade da pesquisa em física que consiste no desenvolvimento dos equipamentos necessários aos estudos. Como as pesquisas de ponta investigam situações novas ou por novos ângulos, em grande parte das vezes não é possível encontrar no comércio os aparelhos necessários. É preciso, então, construí-los ou modificá-los dentro de cada laboratório.
O grupo tem se dedicado à construção e adaptação de instrumentos para difração de raios-X para serem usados não só pela própria equipe como também por outras do IFGW e mesmo de outras instituições. No Laboratório de radiação síncrotron de Daresbury, na Inglaterra, por exemplo, a estação 7.6, primariamente desenhada para experiências de topografia de raios-X, foi modificada para permitir experiências de difração múltipla de raios-X por meio de uma colaboração do LPCM com grupos da Universidade de Strathclyde, em Glasgow, na Escócia.
Laboratório multiusuário – Os pesquisadores do LPCM podem analisar, com as técnicas e os equipamentos de que dispõem, amostras enviadas por outros grupos de pesquisa para esse fim, assim como receber estudantes de outros grupos para experiências em colaboração com o laboratório. Além disso, também são realizadas consultorias através da prestação de serviços para as empresas que procuram o LPCM.
Desde 2008, o LPCM desenvolve investigações nas áreas de difração de raios-X (DRX) e de filmes finos (FF) sintetizados por plasmas de descargas luminescentes.
Difração de raios-X – Nesta área, a maioria das publicações se concentra nas aplicações da difração múltipla como uma microssonda de alta resolução para o estudo:
Outras contribuições do Grupo são realizadas na análise de propriedades estruturais de materiais nanométricos tridimensionais, de ligas intermetálicas e de compostos que apresentam o efeito magnetocalórico.
Filmes finos – As atividades nesta área compreendem filmes dielétricos e magnéticos. Nos filmes dielétricos, a maioria das publicações concentra-se em filmes finos de polímeros produzidos pela técnica de deposição química de vapor assistida por plasma (PECVD, "plasma enhanced chemical vapor deposition"), nos quais são investigadas a composição, estrutura molecular e propriedades ópticas, elétricas e mecânicas. São feitos também estudos sobre a modificação dessas propriedades por irradiação iônica.
Já as investigações em filmes magnéticos focalizam principalmente em filmes finos nanoestruturados, nos quais se estuda a influência das dimensões características das nanostruturas nas propriedades magnéticas e no efeito magnetocalórico dos filmes.
Difratômetro de raios-X da Philips instalado no LPCM para análises de amostras policristalinas em função da temperatura, entre –196oC (tempertura da liquefação do nitrogênio) e 450°C
Será comentado aqui um exemplo detalhado de pesquisa recente realizada pelo grupo, para ilustrar os métodos, procedimentos e conceitos envolvidos nesse tiopo de estudo. O exemplo foi retirado de Lang et al., Cryst. Growth Des. 10, 4363 (2010).
Nesse caso, foi feito um estudo sobre íons de ferro (Fe+) implantados em silício – Si(001). Na preparação da amostra, nanopartículas de FeSi2 metálico foram formadas dentro da mesma, próximo da sua superfície, durante um processo chamado cristalização epitaxial induzida por feixe de íons (IBIEC). Para o estudo das nanopartículas, foi utilizada uma variação da difração múltipla chamada difração Bragg-Superfície ou BSD, na qual um dos dois feixes difratados emerge paralelamente à superfície da amostra (ou a uma interface, quando presente). Na figura da esquerda estão indicados o raio incidente (000) e os dois difratados, chamados primário (002) e secundário (111), sendo este último o paralelo à superfície.
Esquema da difração BSD que ocorre dentro do cristal como uma difração consecutiva pelos planos primário (H01), secundário (H02) e de acoplamento (H21)
Imagens obtidas por microscopia eletrônica de transmissão (TEM) de campo escuro da amostra obtida por IBIEC. (a) Seção transversal da amostra, mostrando duas regiões de formação de nanopartículas, R1 e R2. (b) e (c) Imagem obtida por TEM de alta resolução (HRTEM) da fase γ-FeSi2, evidenciando claramente duas morfologias de nanopartículas: com forma de esferas (b) e de placas (c)
As três figuras abaixo dão exemplo de parâmetros analisados por esse tipo de estudo.
Mapeamento do pico correspondente à reflexão BSD (000)(002)(). Grande anisotropia observada no MBSD: (a) Si(matriz) e (b) amostra IBIEC para BSD (),i.e., Ø=0o e comparação com (c) Si(matriz) e (d) amostra IBIEC para BSD (111) ou Ø=90o
Curvas de rocking (002) na condição de difração múltipla dos picos BSD () (Ø = -6,04º) e (111) (Ø = 83,96º) para a matriz de Si e para a amostra IBIEC. Medidas obtidas para duas direções perpendiculares ao longo da superfície da amostra
Anisotropia no mapeamento do espaço recíproco (RSM) usando a reflexão simétrica (004) para Ø = 0º e Ø = 90º evidenciando o efeito da grande anisotropia observada no plano da superfície (in-plane) da amostra IBIEC
As pesquisas em Cristalografia no IFGW foram iniciadas pelo professor Stephenson Caticha-Ellis (1930-2003), nascido na pequena cidade de Melo, no Uruguai. Caticha estudou na Universidade de Glasgow e no Cavendish Laboratory da Universidade de Cambridge (Reino Unido) e fez estágios na Universidade de Paris (França), no Instituto de Tecnologia da Geórgia e no Instituto Politécnico de Brooklyn (EUA). Chegou ao Brasil no final da década de 1960, onde trabalhou primeiramente no Instituto de Energia Atômica de São Paulo (hoje, IPEN, Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares), especialmente com difração de nêutrons. No início da década de 1970, passou para o Instituto de Física Gleb Wataghin da Unicamp, desta vez utilizando difração de raios-X.
Professores Stephenson Caticha Ellis e Lisandro Pavie Cardoso em foto de 1984 na porta do LPCM
Formou então um grupo voltado ao estudo dos defeitos cristalinos, particularmente utilizando a difração múltipla de raios-X, em que era especialista, usando as bases da difração cinemática e dinâmica de raios-X. Assim, foi criado o grupo de Cristalografia do Instituto de Física Gleb Wataghin, que teve a contribuição importante de vários outros pesquisadores que por ele passaram.
Depois que Caticha se aposentou, em 1991, o grupo se dividiu. Uma das equipes – o Laboratório de Difração de Raios-X (LDRX, hoje LPCM, cujas atividades são descritas neste texto) – continuou a explorar o potencial da difração múltipla de raios-X e de técnicas associadas particularmente a monocristais, filmes finos e estruturas epitaxiais.
A partir de 2008, o LPCM passou a desenvolver as investigações em difração de raios-X e filmes finos sintetizados por plasmas de descargas luminescentes, descritos no corpo deste texto.
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