Conjuntura favorável 1: As políticas públicas em ciência e tecnologia
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Metade do espaço planejado por Damy era para a Física do Estado Sólido e era necessário trazer cientistas também dessa área. Apesar de o país não ter tradição nisso, felizmente havia se formado nos Estados Unidos, ao redor do físico Sérgio Porto, um grupo de cientistas brasileiros que trabalhavam naquele país com laser e suas aplicações. Essas pessoas haviam emigrado do Brasil por falta de condições para fazer esse tipo de pesquisa aqui - e que estavam ávidos para retornar para casa. A formação desse grupo teve participação ativa de Porto: depois que ele foi promovido a supervisor de pesquisas na Bell Labs, em 1964, conseguiu que vários brasileiros fossem aceitos lá para fazer pós-graduações e pós-doutorados.
Entretanto, o que se devia fazer naquele momento no Instituto de Física seria algo em escala bem diferente do que transferir da USP para a Unicamp uma equipe pronta com tudo já disponível, entre equipamentos, cooperação internacional e linha de pesquisa consolidada (como foi o caso com Lattes). Era preciso investimento em novos e caros equipamentos. O resultado, como se verá mais adiante, foi surpreendente: um novo edifício construído, a formação de três novos departamentos, a construção de vários laboratórios equipados, a contratação de vários professores brasileiros e estrangeiros e o financiamento de pesquisa de ponta. Para entender como isso pôde acontecer - não se trata apenas de "efeito Zeferino", "efeito Lattes", “efeito Damy” ou "efeito Sérgio Porto" -, é preciso compreender a conjuntura política e econômica do Brasil da época e o que estava acontecendo na ciência no resto do mundo, especialmente com relação ao laser.
Um dos fatores-chave foi que os militares que deram o golpe de Estado iniciado em 31 de março de 1964 acreditavam na importância da ciência e da tecnologia no desenvolvimento do país. Era uma ideologia que se desenvolvia no meio militar pelo menos desde a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), quando se tornou bastante evidente o impacto do desenvolvimento científico-tecnológico na capacidade de um país garantir sua soberania.
É verdade que o vínculo entre ciência & tecnologia e desenvolvimento já era percebido muito antes de 1964. O próprio processo de substituição de importações iniciado nos anos 1930, responsável por boa parte do desenvolvimento da indústria nacional, demandava formação de pessoal qualificado e pesquisa em tecnologia. Além disso, a corrida armamentista com armas atômicas entre EUA e União Soviética durante a Guerra Fria (1945-1991) reforçou a lição da Segunda Guerra sobre a relação entre ciência e soberania. Assim, a partir dos anos 1940, o governo brasileiro passou a investir na área de C&T, principalmente na Física Nuclear - e, por tabela, na Física das Partículas. Essas áreas se desenvolveram bastante no Brasil a partir dos anos 1940 e produziram a tradição nacional que inaugurou as pesquisas no IFGW com o grupo de César Lattes.
É verdade também que iniciativas importantes em políticas públicas de ciência e tecnologia já vinham sendo tomadas bem antes de 1964, como a criação do CNPq (1951) ou a do Fundo de Desenvolvimento Técnico-Científico (Funtec), no âmbito do BNDES, que foi instituído já no regime militar mas cuja proposta, redigida por José Pelúcio Ferreira (1928-2002), foi concebida e enviada ao governo pouco antes do golpe.
José Pelúcio Ferreira (1928-2002)
Porém, durante o governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961), o apoio à pesquisa científica decresceu sensivelmente (o orçamento do CNPq caiu de 0,28% do orçamento da União em 1956 para 0,11% em 1961). A demanda da substituição de importações por pesquisa também diminuiu nesse período, paradoxalmente quando Juscelino inaugurou uma nova fase das substituições que se centrava em setores que exigiam alta tecnologia - produção de bens de consumo duráveis, bens intermediários e de automóveis. Seguindo o raciocínio de Regina Lúcia de Moraes Morel, uma das razões foi que, para realizar esse objetivo, "o know-how necessário será obtido nas matrizes das empresas estrangeiras, não havendo portanto demanda para as atividades científicas e tecnológicas internas" (Morel, 1979:49).
De qualquer forma, as ações pré-1964 em prol de C&T descritas acima eram iniciativas desvinculadas de um programa nacional científico e tecnológico consistente. A primeira vez em que o governo brasileiro propôs explicitamente uma tal política foi no Programa Estratégico de Desenvolvimento, apresentado em julho de 1967. A idéia era capacitar o país a desenvolver tecnologia própria e reduzir sua dependência a fontes externas de conhecimento científico e técnico. Sua importância não pára aí: suas linhas gerais, nesse item, seriam reproduzidas nos planos de desenvolvimento das duas décadas seguintes.
A ênfase nessa política era, assim, voltada ao aumento da produtividade da economia - em detrimento (mas sem causar a eliminação) da pesquisa básica e das ciências humanas. Segundo o Programa, a pesquisa deveria ser feita preferencialmente em empresas estatais. Assim, os principais locais de pesquisa tecnológica no governo militar foram instituições não-universitárias, a maioria criada durante os anos 1970 pelo governo, como Embraer, Telebrás, Cobra (computadores), Nuclebrás e Embrapa, ou então centros de pesquisa em empresas estatais, como na Usiminas, na Petrobrás (o Cenpes), na Eletrobrás (o Cepel) e na Telebrás (o CPqD).
Porém, isso não significa que o ensino universitário não foi contemplado pelo regime. Iniciativas nessa área foram tomadas desde 1964 e aprofundadas pela Reforma Universitária, decretada em 29 de novembro de 1968. Além disso, foram instituídos, em outubro do mesmo ano, os Centros Regionais de Pós-Graduação. Seguiu-se uma proliferação de cursos de pós-graduação nas universidades brasileiras, que deu impulso ao desenvolvimento das pesquisas dentro das mesmas - apesar da ênfase do governo nas pesquisas extra-universitárias. Segundo uma matéria de Álvaro Kassab no Jornal da Unicamp de 2003, entre 1971 e 1975, o IFGW recebeu uma quantia estimada em 50 milhões de dólares, vindos principalmente da Finep (Financiadora de Estudos e Projetos), mas também do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), do Banco de Desenvolvimento do Estado de São Paulo (Badesp) etc. O dinheiro enviado pela Finep chegou a ser nove vezes maior que o orçamento do Instituto. Na época, a diretoria da Fundo era ocupada pelo engenheiro José Pelúcio que, apesar de não ter experiência direta com pesquisa científica, era um profundo entusiasta da sua importância no desenvolvimento econômico.
A fuga de cérebros também era assunto bastante discutido na época. Nas décadas de 1950 e 1960, houve grande migração de cientistas brasileiros para o exterior, principalmente para os Estados Unidos. Segundo uma pesquisa do Instituto de Ciências Sociais da UFRJ em colaboração com a Academia Brasileira de Ciências, entre 1950 e 1965 emigraram 261 pesquisadores, egressos de 152 institutos brasileiros. O próprio Sérgio Porto mudou-se do Instituto Técnico da Aeronáutica (ITA) para a Bell Labs, em 1960. Rogério Cézar de Cerqueira Leite, que trabalhou com Porto nos EUA, tentou voltar ao Brasil e instalar-se no ITA, onde construiu o primeiro laser do Brasil, em 1965, e depois na UnB e na USP; mas acabou voltando à Bell Labs - com uma equipe de professores e estudantes do ITA.
O governo interessava-se em trazer de volta essas pessoas. Algumas iniciativas foram tomadas, com resultados não muito bons, como a Operação Retorno, feita em 1967, quando o Ministério das Relações Exteriores fez um mapeamento dos cientistas brasileiros radicados no exterior, dos motivos de sua saída e das condições que consideravam necessárias para voltar e foram oferecidos benefícios aduaneiros aos que quisessem retornar. A pesquisa do Ministério indicou que essas pessoas concentravam-se na maioria em Engenharia, Medicina e Física.
O debate estendia-se a outros setores da sociedade, como o próprio Congresso Nacional. O senador Arnon de Mello (1911-1983) chegou a visitar diversos líderes científicos brasileiros no Exterior, inclusive Sérgio Porto nos EUA. Além disso, a diplomacia dos intercâmbios também se desenvolvia. Por conta dos acordos entre o MEC e a USAid, milhares de brasileiros seriam treinados nos Estados Unidos durante a sua vigência, entre 1969 e 1977, enquanto peritos estado-unidenses, por sua vez, instalavam-se no MEC. Tudo isso lubrificava os canais no governo brasileiro para se levar a equipe de Porto para a Unicamp.
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