Autor: Luciene Santos Telli

O Acidente Vascular Cerebral (AVC) é a segunda causa de mortes no planeta e a terceira que mais gera incapacitação a longo prazo, segundo a World Stroke Organization, órgão internacional que trabalha com pesquisa, capacitação e conscientização sobre a doença. Idosos e adultos de meia idade são o principal grupo de risco, mas a incidência de AVC em jovens, por fatores como a má alimentação e estilo de vida, têm colocado em alerta as autoridades de saúde. As sequelas podem ser físicas, cognitivas e sensitivas, e as terapias de reabilitação são o caminho para que os sequelados possam recuperar capacidades e ter mais qualidade de vida no enfrentamento dos desafios que a doença apresenta.

Com o avanço da inteligência artificial, terapias de reabilitação que utilizam realidade virtual chegaram para somar esforços com as terapias tradicionais no tratamento dos pacientes que sofreram AVC. A forma como o cérebro responde a um tratamento de reabilitação com tecnologia de realidade virtual é o foco da pesquisa da professora Gabriela Castellano, responsável pelo grupo de Neurofísica do Departamento de Raios Cósmicos e Cronologia (DRCC) do IFGW. Castellano faz análises matemático-computacionais de dados extraídos do cérebro de diversas formas, com o objetivo de extrair informações relevantes desses dados.

“Nos primeiros meses, logo depois que a pessoa tem o AVC, o cérebro se reorganiza e a pessoa consegue recuperar algumas funções que haviam sido prejudicadas. Depois de alguns meses, ela atinge uma espécie de platô, e aí, a recuperação se torna lenta ou estaciona de vez. Nosso projeto busca entender o que acontece no cérebro desse tipo de paciente, que são os pacientes crônicos”, explica Castellano. 

Até o momento, 10 voluntários foram avaliados e 1 está em avaliação. O critério para participar é ter acima de 18 anos, além de ser paciente crônico de AVC. As medições começaram em agosto de 2022 e são feitas no Laboratório de Neurorreabilitação, no DRCC. Os pacientes são levados a fazer atividades simples, utilizando softwares de realidade virtual que simulam ambientes comuns, como ruas e obstáculos. Eles são estimulados a fazer movimentos com os braços e as pernas, enquanto eletrodos  colocados em uma parte específica da cabeça fazem uma estimulação com uma corrente elétrica contínua e fraca. “No caso, a gente quer atingir o córtex motor da pessoa, que é a parte relacionada ao movimento. Esse tratamento tem demonstrado que, de fato, excita os neurônios. Ele faz com que os neurônios daquela região disparem e mandem sinais”, diz Castellano. Ela explica que a parte que está lesionada, que é tecido morto, não vai se recuperar, mas que as regiões vizinhas a ela são estimuladas para que passem a assumir as funções perdidas pelo paciente.

Cada paciente faz dez sessões no total, uma por dia, por duas semanas. Antes, passam por várias avaliações clínicas sobre a capacidade de fazer atividades diárias básicas (como comer e escovar os dentes, por exemplo), os movimentos que conseguem executar e o equilíbrio. Os pacientes também são submetidos à eletroencefalografia, para a medição dos sinais elétricos produzidos pelos neurônios, e à eletromiografia, que mede como o músculo está funcionando, porque os músculos também emitem sinais elétricos. As medidas são feitas antes e depois da primeira, quinta e décima sessões  do tratamento de reabilitação.

Segundo Castellano, todos já relataram alguma melhora. “Teve gente que melhorou o equilíbrio. Outros disseram que tinham dor de cabeça e que ela foi embora. E tem gente que está melhorando a amplitude dos movimentos”, revela a pesquisadora. A avaliação dos dados coletados rendeu cinco resumos, apresentados no 9º Congresso do BRAINN (Brazilian Institute of Neuroscience and Neurotechnology), realizado de 17 a 19 de abril na Unicamp. 

O BRAINN é financiado pela Fapesp e sediado pela Unicamp. Ele surgiu há dez anos, para financiar projetos de estudos do cérebro humano, reunindo pesquisadores de várias áreas, entre elas, a neurologia, a física, a genética, a biologia, a matemática, a estatística, a engenharia elétrica etc. Castellano é uma das pesquisadoras principais e coordena o projeto de tecnologias assistivas e de reabilitação.

 

Dificuldades

A pesquisadora explica que o estudo enfrenta dificuldades, como, por exemplo, o número de voluntários. O grupo publicou uma chamada, mas poucas pessoas se candidataram. “É uma dificuldade atrair pessoas porque, às vezes, elas podem até estar interessadas, mas não têm recursos para vir para a terapia de reabilitação. E a gente não dispõe de recursos para pagar para as pessoas virem. A gente consegue, às vezes, uma ajuda de custo para pagar um ônibus e um lanche, mas não muito mais que isso. Então, se a pessoa não tem recursos, fica mais difícil de ela vir”, comenta Castellano.

Outro problema é o número reduzido de profissionais de saúde que trabalham no projeto, o que torna a coleta mais lenta. “Não dá para tocar o projeto sem profissionais da saúde. Sem fisioterapeutas, por exemplo, eu não consigo. Só que, aí, eu preciso pagar as fisioterapeutas, mas eu não consigo pagar com uma bolsa de mestrado ou doutorado, porque não dá para uma fisioterapeuta fazer mestrado ou doutorado na Física. Então, preciso arranjar algum outro tipo de bolsa para poder pagá-las. Neste momento, temos duas profissionais, sendo que uma delas é voluntária, que tem interesse na pesquisa e já trabalhou comigo em outros projetos. Ela vem um dia por semana. A outra, estamos pagando com bolsa técnica do projeto”, diz Castellano. A coordenação das avaliações é feita por um profissional doutorado em Ciências do Esporte e Exercício, e que faz pós-doutorado no Departamento de Raios Cósmicos e Cronologia. Os dados são analisados por alunos de doutorado do grupo.

“O ideal, para publicarmos um estudo, é um grupo maior, de, pelo menos, 20 pessoas. Mas as medições demoram. Cada um dos voluntários fica duas semanas com a equipe do projeto”, conta a pesquisadora.

Ela explica que os resultados são muito variados, pelas características do grupo analisado. “Nem todos têm a lesão exatamente no mesmo lugar. Nem todos têm o mesmo tipo de comprometimento, o mesmo nível de comprometimento inicial. Isso dificulta um pouco a análise. O ideal seria ter um grupo o mais homogêneo possível para estudá-lo. Só que se a gente tentar montar um grupo homogêneo, não vai conseguir, porque a variabilidade é muito grande e não temos uma população de pacientes tão grande assim para poder ficar escolhendo”, avalia.

 

Castellano coordena o projeto de tecnologias assistivas e de reabilitação no BRAINN

 

 

Software de realidade virtual premiado

O software de realidade virtual que mede a amplitude de movimentos, batizado de KinesiOS, foi o resultado de uma parceria entre o pesquisador Alexandre Fonseca Brandão, membro do grupo de Neurofísica do DRCC, e pesquisadores da área de computação da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e Universidade Federal de São João Del Rei (UFSJ). O KinesiOS rendeu aos pesquisadores uma premiação no final de 2021, no 23º Symposium on Virtual and Augmented Reality (SVR), principal conferência sobre realidade virtual e realidade aumentada do Brasil, da Sociedade Brasileira de Computação (SBC).

Em outro projeto, também do leque do BRAINN e desenvolvido na Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, o grupo de Neurofísica comparou pessoas que fizeram a reabilitação convencional e a reabilitação usando os aplicativos de realidade virtual. Os dados foram analisados por uma doutoranda, que está elaborando o artigo a ser publicado.

Castellano explica que, além dos projetos com tecnologias de reabilitação, o grupo também trabalha com tecnologias chamadas de assistivas. “São tecnologias para substituir uma função que foi perdida. Temos trabalhado muito com interface cérebro computador”, diz ela.

 

Foto: Luciene Santos Telli

 

O pesquisador Alexandre Brandão em demonstração da terapia por realidade virtual