O Grupo de Física de Sistemas de Muitos Corpos tem várias linhas de pesquisa, que podem ser reunidas nas seguintes áreas:

  • sistemas fortemente correlacionados
  • sistemas desordenados
  • sistemas eletrônicos correlacionados de baixa dimensionalidade
  • efeitos dissipativos em sistemas quânticos
  • teoria da informação quântica
Grupo de Física de Sistemas de Muitos Corpos GFSMC

Algumas dessas áreas são naturalmente interrelacionadas, como, por exemplo, as três primeiras. Um ponto em comum entre os diversos fenômenos nelas abordados é a presença de uma “competição” ordem-desordem que influencia as correlações de longo alcance responsáveis pelo aparecimento de fenômenos “orquestrados” nos sistemas fortemente correlacionados. O papel da dimensionalidade dos sistemas considerados é também crucial no estabelecimento e manutenção dessas mesmas correlações.

Por outro lado, efeitos dissipativos têm se mostrado de fundamental importância na preservação da correlação quântica entre as diferentes unidades de interesse componentes de um sistema de muitos corpos, o que é o principal objeto de estudo na implementação das novas áreas de informação e computação quântica. Além da sua relevância para o desenvolvimento dessas novas áreas de pesquisa, os efeitos dissipativos podem ainda desempenhar um importante papel em transições de fase quânticas, inserindo assim as duas últimas áreas no contexto da física dos sistemas de muitos corpos.

Os sistemas fortemente correlacionados

Sistemas fortemente correlacionados envolvem fenômenos coletivos, ou seja, que não são facilmente explicáveis por meio do comportamento individual de suas partículas constituintes, mas pela descrição de um comportamento orquestrado do conjunto inteiro. O conceito está intimamente relacionado com a complexidade e com a auto-organização.

Esses sistemas aparecem em inúmeras áreas: supercondutividade, diversos fenômenos magnéticos, transição metal-isolante etc. O grupo investiga bastante, por exemplo, os férmions pesados. Em alguns materiais, os portadores de carga elétrica (elétrons) comportam-se como se tivessem uma massa bem maior que a de um elétron sozinho, podendo chegar a cerca de 1000 vezes. A razão é o comportamento coletivo dos elétrons nessas substâncias. A forte correlação entre eles dificulta o seu movimento, “simulando” uma inércia muito grande. Isso acontece em alguns compostos metálicos contendo cério, itérbio, urânio e outros elementos que chamamos de “terras raras” e “actinídeos”. Esses compostos são os chamados “materiais de férmions pesados”. O fenômeno produz certos efeitos macroscópicos, como um grande aumento no calor específico e, em temperaturas não muito baixas, na resistência elétrica desses materiais.

Um conceito importante nas pesquisas do Grupo nessa parte é o de localização. De fato, em algumas situações, as correlações entre os elétrons são tão dramáticas que a inércia descrita acima se torna infinita: os elétrons não conseguem mais se mover. A manifestação macroscópica dessa inércia infinita, ou localização, é que o sistema deixa de ser metálico e passa a se comportar como um isolante elétrico. A isso chamamos de transição metal-isolante induzida por correlações. Entretanto, a localização eletrônica pode também ter outra origem, que não a correlação entre os elétrons: ela pode ser observada nos sistemas desordenados, o que será explicado na seção a seguir.

Os sistemas desordenados

Em uma rede cristalina perfeita, os átomos e moléculas organizam-se segundo padrões espaciais que se repetem por todo o material. Isso é, na verdade, a definição de um cristal. Os cristais existentes na Natureza, porém, possuem imperfeições. Estas podem causar alterações drásticas nas características do cristal como um todo. O grupo estuda os efeitos do aparecimento dessa desordem na ordem cristalina perfeita.

A localização e a transição metal-isolante – Um desses efeitos é a localização. Sabe-se que as imperfeições no cristal aumentam sua resistência elétrica. O que é curioso é que, se o número de defeitos ultrapassar certa quantidade crítica, os elétrons que formam a corrente elétrica não conseguem mais atravessar o material, ficando presos em certas regiões. É o fenômeno da localização induzida por desordem. Aqui também ela se manifesta como uma redução da condutividade do material a zero – ele sofre uma transição metal-isolante. Essa transição é uma das principais linhas de pesquisa do Grupo.

O fenômeno da localização é mais geral do que o aqui exposto; ocorre em diversas situações em que ondas passam através de um meio material desordenado (no caso acima, os elétrons exibem um comportamento ondulatório, previsto pela mecânica quântica). De fato, estuda-se também a localização de ondas sonoras e eletromagnéticas.

Os vidros de spin – Outro tipo de desordem abordada pela equipe é a dos vidros de spin. Tecnicamente, um “material vítreo” é aquele que, quando resfriado, solidifica-se num estado amorfo, isto é, não-cristalino – seus átomos ou moléculas distribuem-se aleatoriamente, ao contrário do que acontece nos cristais. Em geral, os líquidos cristalizam-se quando congelam; mas, com os materiais vítreos, isso não acontece. Um exemplo é o vidro comum de janela. “Spin”, por sua vez, é uma característica de certas partículas elementares que se manifesta muitas vezes como um campo magnético ao seu redor, como se fossem ímãs. É uma das principais origens do magnetismo: num ímã comum, os spins dos seus elétrons tendem a alinhar-se, produzindo um campo magnético macroscópico resultante.

Juntando os dois conceitos, os “vidros de spin” têm características de materiais magnéticos, mas não produzem essa magnetização líquida porque, quando resfriados, os spins de seus átomos não tendem a se alinhar (como nos materiais ferromagnéticos comuns), mas permanecem orientados aleatoriamente. Esse fenômeno possui características análogas à “frustração” do ordenamento nos materiais vítreos descrita acima. A compreensão dos processos físicos por detrás de tal comportamento e dos fenômenos peculiares que tais materiais podem apresentar é uma área de estudos bastante ativa.

A desordem efetiva infinita – Este é um terceiro campo na área da desordem, além da transição metal-isolante e dos vidros de spin. Trata-se do estudo de certos sistemas desordenados abordando-os em escalas de tamanhos variáveis. Para entender esse conceito, considere um papel com algo escrito. Vendo de perto, distinguimos as letras individualmente. Mas, olhando bem de longe – ou seja, aumentando-se a escala de observação –, a parte escrita parece uma massa cinza uniforme. A “desordem aparente” (a qual é possível quantificar) diminuiu quando aumentamos a escala de observação.

Há casos em que a desordem aparente não muda com a escala da observação – como nos fractais. Ela pode também mudar de qualidade, mas não se tornar nem maior nem menor. Mas o objeto de estudo do grupo é o curioso caso no qual a desordem aparente aumenta com o aumento da escala. São os chamados sistemas com desordem efetiva infinita. Essa é uma área ainda incipiente da pesquisa de sistemas desordenados no mundo e um dos grandes desafios atuais é justamente identificar e caracterizar os sistemas em que esse fenômeno ocorre.

Os sistemas correlacionados de baixa dimensionalidade – Sistemas de baixa dimensionalidade são aqueles nos quais uma ou mais de suas dimensões está em escala nanométrica (com até algumas dezenas de átomos de tamanho). Por exemplo, fios quânticos são nanométricos em duas de suas dimensões (mas não no seu comprimento). Nesses objetos, os tamanhos ou espessuras são tão pequenos que os efeitos quânticos tornam-se pronunciados e eles passam a exibir propriedades peculiares, que constituem hoje um ativo campo de estudos. Os sistemas que o grupo aborda nessa linha de pesquisa são fios e filmes magnéticos e sistemas eletrônicos bidimensionais sujeitos a campos magnéticos intensos.

Na área de filmes e fios magnéticos, o interesse principal é o estudo da dinâmica das chamadas paredes de domínio, que aparecem, por exemplo, em materiais ferromagnéticos. Estes são constituídos de pequenas regiões, ditas domínios, em cada uma das quais a magnetização está numa direção diferente (quando essas substâncias são magnetizadas, os domínios tendem a se orientar na mesma direção, produzindo um campo magnético macroscópico). Assim, nas fronteiras entre os domínios, a magnetização muda subitamente de direção. Essas fronteiras, ou “paredes de domínio”, são sistemas com espessura nanométrica – aproximadamente bidimensionais, portanto (vide figura abaixo).

Como elas aparecem, ou que fenômenos exibem quando se movem através do material, são assuntos muito estudados. O grupo as aborda sob a perspectiva dos sistemas fortemente correlacionados. Como dito no início deste texto, tais sistemas são constituídos de subsistemas (como partículas) que exibem um comportamento coletivo, “orquestrado”, que não podem ser compreendidos adequadamente por meio das partículas individuais. Assim também acontece com as partículas que constituem as paredes de domínio quando estas sofrem modificações. Além disso, são feitas também, nos estudos do grupo sobre esses objetos, conexões com a dissipação quântica.

Paredes de domínio

Entre as regiões com spin para cima e spin para baixo (setas verdes), aparecem as paredes de domínio (onde as setas se invertem)

Já no caso de sistemas eletrônicos bidimensionais sujeitos a campos externos (que, no jargão da área, são os conhecidos sistemas do tipo Hall quântico), o grupo estuda modelos fenomenológicos que simulam o comportamento dos sistemas realistas quando sujeitos a valores intensos de um campo magnético externo. Esses modelos são importantes por fornecerem a descrição da dinâmica de um sistema altamente complexo através de entes compostos que acoplam um elétron a vários tubos de fluxos magnéticos (férmions compostos), estados ligados elétron-buraco (magneto-exciton) ou até mesmo estados ligados de magneto-excitons.

Efeitos dissipativos em sistemas quânticos

A descrição que a mecânica quântica faz dos sistemas físicos é radicalmente diferente que a feita pela física clássica. No entanto, como a Natureza é uma só, deve haver uma descrição única, abrangente, tanto para o mundo macroscópico como para o microscópico. De fato, pode-se provar que a física clássica é uma aproximação da física quântica. Ou seja, na medida que a massa do sistema físico aumenta, os efeitos previstos pela física quântica aproximam-se cada vez mais dos previstos pela física clássica – até que, para objetos macroscópicos, tornam-se indistinguíveis na prática. A física quântica fornece, portanto, essa descrição unificada.

Porém, a descrição quântica é tão distante da clássica que há fenômenos quânticos que simplesmente não possuem nenhum análogo macroscópico, como a superposição de estados. Essa diferença foi exposta conceitualmente de forma bastante dramática em 1935 pelo físico austríaco Erwin Schrödinger por meio do seu “gato de Schrödinger”. Ele idealizou um experimento conceitual no qual um decaimento radioativo poderia fazer com que um gato em uma caixa passasse a estar em um bizarro estado físico caracterizado como uma superposição dos estados “vivo” e “morto”. O experimento era tal que aparentemente o gato deveria obrigatoriamente ser encontrado nesse estado. Ou seja, apesar de estados superpostos aparecem o tempo inteiro na mecânica quântica, eles parecem simplesmente não existir no mundo macroscópico – na verdade, parecem inconcebíveis, como no exemplo do gato.

Gato de Schrödinger

O gato de Schrödinger: o martelo, acionado por um dispositivo quântico, quebra a garrafinha de veneno. O gato fica teoricamente numa superposição de estados: "vivo + morto"

Isso parece desafiar a possibilidade de uma teoria unificada para descrever tanto o mundo macroscópico quanto o microscópico. Se a física clássica é apenas uma aproximação da quântica, por que as superposições parecem não existir no mundo macroscópico?

Esse é um dos problemas fundamentais que o grupo pesquisa por meio do conceito de dissipação quântica. A dissipação quântica é um fenômeno pelo qual uma superposição de estados quânticos pode evoluir naturalmente para estados não-superpostos, do tipo que vemos o tempo todo na física clássica. Isso acontece pela interação do sistema físico com o ambiente ao seu redor.

A explicação mais plausível para a inexistência de estados superpostos no mundo macroscópico é que a interação dos objetos com o ambiente faz com que a superposição seja desmanchada com enorme rapidez, de modo que não teríamos tempo de observá-la. No entanto, os mecanismos pelos quais a dissipação ocorre não são ainda bem compreendidos e constituem uma importante linha de pesquisa, abordada pelo grupo.

Outro problema igualmente importante é como controlar a dissipação, como construir sistemas cada vez maiores que apresentem superposição quântica por tempos cada vez mais longos. Essa última linha tornou-se muito importante a partir dos anos 1990, quando se intensificaram as pesquisas sobre computação quântica, teleporte quântico e outros temas da área chamada “informação quântica”.

As situações mais interessantes acontecem quando o sistema físico é suficientemente pequeno para apresentar efeitos quânticos mensuráveis, mas ainda suficientemente grande para que não seja possível desacoplá-lo do meio ambiente. O principal problema na tecnologia nascente dos computadores quânticos é justamente como construir sistemas que se encontrem em estados emaranhados (um tipo de superposição quântica envolvendo mais de uma partícula) por tempo suficiente para que se possa fazer cálculos antes que a dissipação quântica destrua o emaranhamento. Os estudos sobre os mecanismos que produzem a dissipação – uma das principais tônicas do grupo nessa linha – são extremamente importantes para as equipes que lidam com a possibilidade de implementação da computação quântica.

Os modelos realistas que devem ser usados no estudo da dissipação quântica envolvem um número muito grande de partículas e, em geral, o seu tratamento é dificílimo. No entanto, pode-se descrever tais sistemas de modo aproximado com um número pequeno de parâmetros, com os quais seja possível extrair informações importantes. A ideia é usar quantidades que sejam facilmente mensuráveis, para que os pesquisadores experimentais possam comparar as previsões teóricas com os resultados de suas experiências. A esse tipo de descrição teórica aproximada por meio de poucos parâmetros, intimamente relacioandos com as quantidades medidas experimentalmente, dá-se o nome de “abordagem fenomenológica”, que é o método que o grupo essencialmente utiliza no tratamento da dissipação quântica.

Teoria da informação quântica

O desenvolvimento de novas tecnologias requer a manipulação de recursos físicos da Natureza tais como materiais, forças e fontes de energia. Assim também se dá com tecnologias de comunicação e computação, onde recursos físicos são utilizados para codificar, transmitir, armazenar e processar informação. Embora a operação dos sistemas de processamento de informação atuais seja realizada em dispositivos onde fenômenos quânticos são correntes, a informação propriamente dita é codificada classicamente. Recentemente, uma nova estratégia tem sido adotada, ao se considerar a codificação de informação em sistemas quânticos individuais e nos quais a transmissão e o processamento sejam governados por leis quânticas. Isto permite a extensão de conceitos de bits, canais e códigos e o desenvolvimento de protocolos e algoritmos não convencionais.

Parte dos esforços em Informação Quântica é dedicada à investigação de sistemas físicos com potencial para implementação eficiente de sistemas de processamento de informação quânticos. Além disso há um grande esforço na fundamentação da própria teoria de informação quântica, onde o estudo de emaranhamento, um tipo de correlação puramente quântico, desempenha um papel importante. Um aspecto importante que conecta essa com as demais áreas de pesquisa do grupo é a investigação da distinção entre correlações clássicas e correlações quânticas em sistemas de muitos corpos e como essas últimas são afetadas por efeitos dissipativos.

Atuação do grupo

Esquema da atuação do Grupo em teoria da informação quântica

História do grupo

Em 1980, chegou no IFGW o primeiro membro da atual equipe, Amir Caldeira, vindo da Universidade de Sussex, no Reino Unido, que começou uma linha de pesquisa sobre dissipação quântica. A partir dos anos 1990, passou também a estudar os sistemas com baixa dimensionalidade. Nessa época, a computação quântica e a informação quântica tornaram-se uma frente muito ativa de pesquisa no mundo todo. O tema dissipação quântica, então, adquiriu muita importância. Em 1997, Eduardo Miranda, vindo do National High Magnetic Field Lab, da Flórida, nos EUA, introduziu outras linhas de pesquisa, relacionadas com sistemas fortemente correlacionados e sistemas desordenados. Em 2004, Marcos Cesar de Oliveira, vindo de um pós-doutorado no Centro para Computação Quântica na Universidade de Queensland, se juntou ao grupo, introduzindo posteriormente a nova área de Teoria de Informação Quântica.