
O Grupo de Cristalografia Aplicada e Raios X usa essa radiação principalmente para estudar a estrutura a matéria, por meio de diversas técnicas, como o espalhamento a baixos ângulos, a difração magnética e o estudo dos fenômenos ultrarrápidos. Também realiza investigações na produção de imagens para a Física Médica por meio da radiografia por contraste de fase, mais precisa que a tradicional.
A difração de raios-X
Os raios-X são conhecidos principalmente por causa da produção de imagens de radiografia na medicina. Mas eles podem ser usados também para estudar a estrutura dos materiais. Nessa área, possuem enorme potencial e com eles podem-se identificar as próprias posições dos átomos ou mesmo acompanhar em tempo real seus rapidíssimos movimentos quando a estrutura cristalina de um material é alterada por uma transição de fase.
Para isso, faz-se os raios-X incidirem no material que se deseja estudar. No método da difração de raios-X, observa-se os raios refletidos em direções especiais, mas com outras técnicas pode-se também investigar os transmitidos através da amostra. A partir da análise dos raios refletidos (ou transmitidos), é possível extrair numerosas informações sobre sua estrutura atômica e molecular.
A difração de raios-X é muito eficiente quando o material investigado é cristalino, isto é, seus átomos ou moléculas estão dispostos regularmente. Esse ordenamento faz com que os raios produzam padrões regulares quando impressionam uma chapa fotográfica (veja as figuras abaixo).

Diagrama da posição dos átomos em um cristal de cloreto de sódio (NaCl). Os átomos verdes são de sódio e os vermelhos, de sódio. Os traços são para evidenciar a estrutura cristalina cúbica

Aspecto de um padrão de difração de raios-X de uma enzima como obtida em laboratório. Padrões como este, quando interpretados por métodos cristalográficos, indicam a estrutura cristalina do material estudado
As pesquisas com o LNLS
O aparecimento do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron, (LNLS), que foi aberto para os usuários em 1997, em Campinas, gerou muitas possibilidades nesse campo. Primeiro, porque nele as pesquisas podem ser feitas combinando-se as técnicas dos raios-X com outras disponíveis no laboratório. Segundo, porque produz raios-X com grande intensidade, o que aumenta muito o potencial de diversas técnicas de investigação – como no caso do espalhamento a baixos ângulos – e abre a possibilidade de técnicas novas, como a difração magnética. Além disso, permite o estudo bem mais eficiente de materiais biológicos, que exigem raios-X bem intensos. O grupo, que se envolveu intensamente com a construção do LNLS, tem usado bastante suas instalações para suas pesquisas.
Espalhamento a baixos ângulos - A utilização do LNLS permite inclusive o estudo de materiais não-cristalinos. Nesse caso, ainda se pode usar os raios-X para estudar sua estrutura, mas com detalhamento (resolução) bem menor. A técnica usada nesse caso é o espalhamento de raios-X a baixos ângulos de deflexão em relação ao feixe incidente (não mais que 3 graus). O grupo usa essa técnica, por exemplo, para investigar a estrutura de proteínas. Algumas delas formam cristais e podem ser abordadas pela técnica tradicional de difração; porém, ainda não se conseguiram métodos para cristalizar muitas delas – nesse caso, é necessário usar o espalhamento a baixos ângulos.
Difração magnética - Esta é uma técnica tornada possível pelos raios-X de grande intensidade obtidos com luz síncrotron do LNLS. Nela, os raios-X não são difratados pelos átomos da rede cristalina propriamente ditos, mas pelos dipolos magnéticos dos seus elétrons (os elétrons, além de terem campo elétrico ao redor de si, possuem também um campo magnético na forma de um dipolo, como minúsculos ímãs). Isso é muito mais difícil de ser feito, porque o espalhamento pelos dipolos é cerca de 100 milhões de vezes menos intenso do que pela estrutura cristalina. Por isso, a necessidade dos feixes intensos proporcionados pelo LNLS. Além disso, como a energia dos raios-X do LNLS pode ser sintonizada continuamente, sua sensibilidade ao magnetismo pode ser muito ampliada devido a efeitos de ressonância.
Diversas outras linhas de pesquisa são feitas com o auxílio do síncrotron. Uma importante são os estudos com materiais biológicos, incluindo os presentes na natureza brasileira (como a gordura de cupuaçu – as pesquisas do grupo mostraram que ela possui muita semelhança estrutural com a manteiga de cacau e que tem grande potencial para a fabricação de chocolates de qualidade).
Os estudos dinâmicos: os pulsos ultrarrápidos
Até agora, falou-se na investigação das estruturas dos materiais de uma maneira estática. Mas é possível também estudar transformações muito rápidas dessas estruturas no tempo. Para isso, usa-se pulsos ultrarrápidos de raios-X, da ordem de femtossegundos (10-15 s). Com eles, pode-se observar em tempo real como os átomos de um cristal passam de uma estrutura cristalográfica inicial para uma secundária.
Um dos principais objetos de estudo com essa técnica, dentro do grupo, são as transições martensíticas. Trata-se de certo tipo de alterações na estrutura cristalina no material – aparecem na vida cotidiana, por exemplo, quando o ferreiro bate no ferro quente para torná-lo mais resistente. Como em quaisquer outras transições de fase, os átomos mudam suas posições de modo "orquestrado" e praticamente simultâneo em vastas porções do material. Porém, o modo como isso acontece não é bem compreendido. Mas talvez a resposta possa ser encontrada observando-se em tempo real como os átomos se movem durante esse processo. Daí a importância dos estudos dinâmicos com pulsos ultrarrápidos de raios-X.
O laser de elétrons livres
O grupo está também iniciando uma nova área de pesquisa com um novo instrumento, chamado laser de elétrons livres (free-electron laser). Trata-se de um laser construído não com materiais gasosos, sólidos ou líquidos, como normalmente se faz, mas com um conjunto (um feixe) de elétrons viajando no espaço a velocidades próximas à da luz. Uma fila de magnetos com pólos norte e sul alternados faz com que a trajetória dessas partículas ondule rapidamente. Ao ondular, eles emitem radiação, pois partículas carregadas emitem radiação quando se aceleram ou fazem curvas.

Funcionamento do laser de elétrons livres. O feixe de elétrons (em vermelho) passa entre magnetos com polaridades norte e sul alternadas (verde e roxo), que fazem sua trajetória oscilar. Nas curvas, ele emite radiação (em amarelo), que emerge do aparato como um laser
© DESY 2006
Com velocidades próximas à da luz, entram em ação efeitos relativísticos; juntamente com a interferência entre as radiações emitidas pelos diversos elétrons e com o fenômeno da emissão estimulada pela presença da radiação nas proximidades, o resultado é que a luz emitida aparece colimada (praticamente não se espalha, sai quase numa só direção), monocromática (praticamente uma só freqüência) e coerente (todas vibrando em fase - vide as figuras sobre ondas em fase logo abaixo) – que são as características do laser – e também polarizadas. A vantagem sobre os outros tipos de laser é que nos tradicionais há uma limitação para a potência, pois, se ela for muito alta, destrói o material de que é feito o aparelho. No caso dos elétrons livres, não há material nenhum, apenas elétrons no espaço, então é possível obter potências muito maiores.
Obtenção de imagens: a radiografia por contraste de fase
Além das técnicas para se investigar a estrutura da matéria, há os métodos de obtenção de imagens aplicadas à Medicina. Nessa parte, com os raios-X, o grupo faz imagens por radiografia por contraste de fase.
A radiografia comum usada largamente na medicina se baseia no fato de que os raios-X atravessam diferentes materiais com diferentes eficiências. Assim, os ossos bloqueiam muito dos raios-X que neles incidem, enquanto os músculos deixam passar bastante – por isso, numa chapa de raios-X, os ossos aparecem bem distintos do resto do corpo.
Mas há tecidos em que não há grande diferença na capacidade desses raios os atravessarem. Nesses casos, a precisão pode ser aumentada bastante com a outra técnica, a de contraste de fase. Ao invés de se usar a capacidade dos raios de atravessar o material, usa-se o fato de que, quando duas ondas eletromagnéticas passam através de diferentes meios, elas sofrem um pequeno atraso uma em relação à outra, chamado "diferença de fase" (veja a figura abaixo). Os raios com fases diferentes interferem entre si de modo diferente que os com a mesma fase. Essa diferença é observada, analisada e, a partir dela, são feitas as imagens. Uma pequena variação na densidade no material pode provocar enormes diferenças de fase; por isso, o método é muito preciso.

Duas ondas com a mesma frequência, mas fases diferentes


Dois conjuntos de ondas. As ondas de cima não estão em fase; as de baixo, sim. As de baixo somam-se; as de cima, somam-se e subtraem-se parcialmente: a interferência entre ondas em fase é diferente de entre ondas fora de fase
Usa-se essa técnica em casos médicos nos quais as imagens convencionais de raios-X fornecem pouca informação, como em certas situações envolvendo câncer de mama. Nesse tipo de câncer, a dose de radiação usada é mais alta (ainda que não seja suficiente para apresentar perigo ao paciente) e a capacidade de se discernir o tumor é baixa porque tanto o tumor quanto o restante do tecido da mama absorvem quantidades muito semelhantes de raios-X. Em muitos casos, não se logra detectar o tumor no estágio inicial. A capacidade de visualização com o método de contraste de fase pode aumentar 10 ou 100 vezes, ou mesmo, em alguns casos, 1000 vezes.
História do grupo
As pesquisas em Cristalografia no IFGW foram iniciadas pelo professor Stephenson Caticha-Ellis (1930-2003), nascido na pequena cidade de Melo, no Uruguai. Caticha estudou na Universidade de Glasgow e no Cavendish Laboratory da Universidade de Cambridge (Reino Unido) e fez estágios na Universidade de Paris (França), no Instituto de Tecnologia da Geórgia e no Instituto Politécnico de Brooklyn (EUA). Chegou ao Brasil no final da década de 1960, onde trabalhou primeiramente no Instituto de Energia Atômica de São Paulo (hoje, IPEN, Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares), especialmente com difração de nêutrons. No início da década de 1970, passou para o Instituto de Física Gleb Wataghin da Unicamp, desta vez utilizando difração de raios-X.
Formou então um grupo voltado ao estudo dos defeitos cristalinos, particularmente utilizando a difração múltipla de raios-X, em que era especialista, usando as bases da difração cinemática e dinâmica de raios-X. Assim, foi criado o grupo de Cristalografia do Instituto de Física Gleb Wataghin, que teve a contribuição importante de vários outros pesquisadores que por ele passaram.
Depois que Caticha se aposentou, em 1991, o grupo se dividiu. Um continuou a explorar o potencial da difração múltipla e de técnicas associadas; e o outro - cujas atividades são descritas neste texto – passou a investigar outros métodos, como a difração magnética e a com baixos ângulos, e a estudar materiais biológicos.
A partir de meados dos anos 1990 até meados da década de 2000, o grupo esteve intensamente envolvido na construção das linhas de luz do LNLS, que abriu suas portas para os usuários em 1997. O grupo passou a atuar na construção das linhas, no treinamento de novos usuários e na capacitação dos grupos de pesquisa para utilizar as instalações.
Em seguida a essa fase, novas técnicas com raios-X foram introduzidas pela equipe, como o estudo dos fenômenos ultrarrápidos com raios-X e o desenvolvimento de imagens por contraste de fase. Este último é mais voltado à Física Médica, área com a qual o IFGW passou a envolver-se cada vez mais profundamente, especialmente após a criação do curso de graduação em Física Médica e Física Biomédica em 2003.