O artigo “Structural Analysis of Ligand-Protected Smaller Metallic Nanocrystals by Atomic Pair Distribution Function under Precession Electron Diffraction”, do Professor Daniel Mario Ugarte, foi escolhido como capa da edição de 15 de Agosto de 2019 do The Journal of Physical Chemistry C.

O grupo de pesquisas liderado pelo professor Daniel Ugarte realiza atividades em estudos experimentais das propriedades físicas e químicas de nanoestruturas, tais como nanofios, nanopartículas etc. Também desenvolve instrumentação e metodologias de caracterização. “O Professor Varlei Rodrigues construiu um instrumento único, capaz de gerar partículas nanométricas e controlar de quantos átomos elas são formadas, por espectroscopia de massa. O instrumento foi especialmente desenhado para estudar partículas de ligas metálicas contendo desde algumas centenas até milhares de átomos. Essas ligas servem para pesquisar as suas mudanças estruturais de acordo com o tamanho das partículas, e também sua resposta magnética e química”, conta o professor Ugarte. Entretanto, mesmo utilizando os mais modernos microscópios eletrônicos é muito difícil medir o arranjo atômico com confiabilidade e, sobretudo, a composição química em sistemas tão pequenos. As imagens obtidas são sempre muito bonitas porque se pode visualizar diretamente os átomos, contudo, nem sempre elas conseguem responder às perguntas cientificas de forma clara ou quantitativa.

Uma das principais dificuldades do estudo de partículas muito pequenas, com poucos nanômetros de diâmetro, é a modificação das nanoestruturas durante a observação em imagens de alta resolução, chamado dano por radiação. Também é possível estudar o arranjo atômico de nanoestruturas com as diversas técnicas de espalhamento e difração de raios X, em particular utilizando radiação síncrotron. A difração de elétrons realizada em um microscópio eletrônico permite obter algumas informações semelhantes para amostras de volumes de matéria muito menores, pois os elétrons interagem fortemente com a matéria. Em contrapartida, os elétrons sofrem muitos eventos de espalhamento ao atravessar a amostra. Assim, a interpretação da difração de elétrons é muito mais complexa e frequentemente requer cálculos numéricos extensos para se conseguir medidas quantitativas.

Em 2014 o Professor Daniel Ugarte realizou um estágio sabático no Reino Unido no grupo de microscopia eletrônica do Departamento de Materiais e Metalurgia da Universidade de Cambridge, com os professores Paul Midgley e Cate Ducati. Lá o professor Ugarte começou a utilizar uma forma diferente de fazer difração de elétrons, utilizando um feixe eletrônico que realizava um movimento de precessão (precession electron diffraction, PED). Esta técnica vem se tornando cada vez mais popular na comunidade científica internacional, pois os resultados podem ser interpretados com modelos mais simples, análogos aos utilizados na difração de raios X. Esses modelos são descritos pela aproximação cinemática, pensando-se em eventos de espalhamento único. “Após meu retorno a Campinas decidi combinar nossa experiência com nanopartículas, difração de elétrons com precessão com uma técnica de cristalografia de raios X no espaço real, chamada de Função de Distribuição de Pares - Pair Distribution Function, PDF”, relembra o professor. Uma curva de PDF apresenta picos que representam as distâncias interatômicas e a altura dos picos indica o número de vizinhos a essa distância em um dado material. “Esta forma de estudar nanopartículas ganhou muita relevância recentemente na comunidade de difração de raios X e de técnicas de luz sincrotron, mais ainda não representa uma metodologia consolidada quando é baseada na difração de elétrons. O nosso objetivo é tentar tornar este tipo de estudo de nanopartículas, mas fácil e accessível, utilizando microscopia eletrônica”, explica Ugarte.

Em fevereiro de 2018, o professor fez uma visita ao grupo de pesquisas do Prof. Arturo Ponce em San Antonio (UTSA-USA) e, numa reunião de brain storming, eles analisaram as possibilidades do método PDF em nanopartículas. “O grupo da UTSA também estava tentando aplicar PDF, mas seu sucesso era apenas moderado. A partir dessa discussão decidimos combinar a difração eletrônica de precessão com a função de distribuição de pares, medindo as amostras em baixas temperaturas”, conta o professor. O Laboratório do Prof. Ponce possuía todos os instrumentos e acessórios necessários, excelentes amostras de nanopartículas, e um detector de última geração. A combinação funcionou muito melhor do que o esperado, e foi possível realizar estudos das partículas em detalhe, interpretando quantitativamente o arranjo atômico.

Segundo Ugarte, a relevância dessa contribuição vem do fato de que o estudo PDF se tornou mais fácil ao se utilizar difração de elétrons de precessão, permitindo uma qualidade nas medidas quase comparável a estudos num laboratório sincrotron. “Nossos experimentos não requerem um microscópio eletrônico muito avançado, portanto podem ser realizados por um custo muito menor e em laboratórios muito mais accessíveis. Por estarem baseados na microscopia eletrônica, podemos fazer imagens e difração no mesmo experimento, ou seja, medidas individuais e de conjunto de nanopartículas”, esclarece Ugarte. Um dos pontos importantes do trabalho vem da capacidade de analisar uma amostra muito pequena, da ordem de nanogramas, de 1.000 a 10.000 vezes menores que as amostras requeridas num experimento sincrotron. Outro fato muito importante é a baixa dose de radiação que a amostra sofre, da ordem de 1-10 electron/Å2, quando uma imagem de resolução atômica requer 106-109 electron/Å2. “A difração eletrônica de moléculas e nanopartículas é atualmente um dos temas mais ativos e presentes na comunidade de cristalografia em nível mundial, em particular na área de novos fármacos”, conclui o professor.

Figura: a) Diagrama de difração de elétrons utilizando PED de um conjunto de nanopartículas de liga Au-Ag geradas na fonte de clusters do Prof. V. Rodrigues; b) integração azimutal da intensidade dos anéis de difração, gerando o equivalente de um diagrama de difração de pó; c) função de distribuição de pares reduzida derivada utilizando (b), os picos indicam a posição das distâncias interatômicas (gentilmente cedido por L.M. Corrêa).

No artigo os pesquisadores utilizaram a análise da função de distribuição de pares atômicos (PDF) para investigar materiais nanocristalinos e estruturalmente desordenados. Especificamente usaram a difração eletrônica de precessão (PED-TEM) para estudar o arranjo atômico de nanopartículas de ouro (4,5 nm de diâmetro). Os resultados indicam que a combinação de PED e baixa temperatura aumentou significativamente a qualidade da comparação quantitativa com modelos do arranjo atômico de nanopartículas, atingindo valores comparáveis à análise de PDF com raios X medidos utilizando radiação síncrotron. As nanopartículas foram sintetizadas por técnicas de química úmida. Foi utilizado um porta-amostra criogênico (Gatan 915), para medir as partículas na temperatura ambiente e na temperatura de Nitrogênio líquido. Imagens e difração eletrônica foram obtidas em um microscópio JEM 2010F operando a 200 KV. Os padrões de difração foram adquiridos em câmera CMOS F416 de 16 megapixels altamente sensível (TVIPS).

O professor Ugarte comenta que toda essa pesquisa que culmina com esse artigo capa de revista representa uma construção de vários anos de aprendizado com recursos da Fapesp. CNPq, Capes e Faepex. Atualmente o aluno de mestrado, Leonardo Marcon Corrêa, trabalha no aprimoramento instrumental e no tratamento de dados deste método no IFGW. O Leonardo apresentou recentemente seu trabalho no 27º Congresso Brasileiro de Microscopia realizado de 25-28 de agosto de 2019 no Rio de Janeiro – RJ, onde o seu Poster entitulado “Study of Small Alloy (AuAg)Nanoparticle Structure using Pair Distribution Function (PDF) derived from Precession Electron Diffraction (PED)”, recebeu a Menção Honrosa entre os melhores estudos do evento. O professor agradece ao pessoal do Laboratório de Caracterização de Materiais da UFSCAR (LCE-DEMA-UFSCAR), onde o mestrando realiza seus experimentos. O laboratório da UFSCAR possui todos os instrumentos e instalações necessários para realizar os experimentos de difração eletrônica de precessão.

 

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